Sacha Calmon
Reinava em Portugal o seu maior Rei, D. João II. Pêro, da cidade de Covilhã, ao pé da Serra da Estrela, dele recebeu a missão de descobrir o caminho marítimo das Índias, mas por terra!
Falava veneziano e árabe à perfeição e tinha facilidade para línguas. A 17 de maio de 1487, cinco anos antes de Colombo partir de Cádis para o oeste, Pêro pôs-se a caminho para o leste. Em Barcelona, os templários deram-lhe dinheiro e barco com carga de mel e roupas de mercador berbere. O Papa Júlio proibira D. João II de embaraçar o comércio veneziano no Egito. Zarpou disfarçado para Rodes e chegou à Alexandria. Ao saber que mercadores marroquinos de Fêz iam para o Iêmen juntou-se a eles, e chegou lá. Era o porto onde as mercadorias do oriente e do ocidente eram trocadas. Foi o primeiro europeu do lado atlântico a conhecer mercadores indianos. Os produtos eram levados por “dhows” árabes de uma vela latina apenas. Os costados eram amarrados por cordames, sem pregos, e as mercadorias protegidas por trançados de folhas de palmeira. Suportavam até trinta toneladas e navegavam quase na linha do mar. Ao ver tais embarcações, Marco Pólo retrocedera, preferindo a rota da seda por terra até a China. Pêro adquiriu uma passagem e enfrentou a sorte no oceano Índico. Chegou a Cananor, porto com enorme movimento de barcos persas vindos de Aden. A cidade tinha de tudo, mas os árabes disseram-lhe que era “um nada” comparado com Calecute ao sul, onde reinava o Senhor dos Oceanos, que daí a quinze anos prestaria reverência aos canhões dos navios portugueses.
Em 1488, Pêro estava em Calecute, capital do reino de Samorim, que não tinha porto natural. Os “dhows” árabes e enormes juncos chineses ficavam ao largo. Havia ali luxos deslumbrantes e mercadores diversos do Ceilão, Coromandel, Birmânia, Malaca, Sumatra, Bengala e Bornéu. Pêro viu cânfora, goma, laca, noz-moscada, canela, tamarindo, porcelana chinesa, pérolas, rubis, copra, mercúrio, terra-de-siena queimada, coral vermelho, prata, madeira pintada em painéis, água de rosas, facas, estanhos e armas. Pêro foi a Goa, que era uma ilha ocupada por muçulmanos, enquanto o continente era governado por centenas de brâmanes hinduístas orgulhosos. Os árabes faziam deslocar os “dhows” em agosto e setembro, e regressavam em fevereiro, unindo o comércio entre as Índias e o Mediterrâneo dominado pelos venezianos. Para Portugal, afrontar os hindus não era impossível militarmente, mas desaconselhável. Melhor seria deslocar os árabes de Goa, agradar os potentados do continente e celebrar tratados por bem ou por mal.
Faltavam duas etapas. Pêro cruzou o Índico em direção à costa leste da África. Do Marrocos até perto do Cabo da Boa Esperança, os portugueses já haviam se aproximado com suas caravelas, indo até as costas do Brasil para escapar das calmarias. Ao contrário do consenso entre italianos e espanhóis, D. João II e seu “Conselho de Sábios”, onde pontificavam astrônomos judeus e árabes do Algarve, estavam convencidos de que a África era rodeada por oceanos. Cabia a Pêro confirmar, por terra, e Bartolomeu Dias, por mar, o ponto extremo da África e contorná-lo. Pêro navegou à Mombaça, descendo até Moçambique, onde ficou sabendo da “curva do Cabo” (África do Sul) pelos navegantes locais. Em 1489 ei-lo no Cairo. Trazia cartas marítimas, um sem número de informações e medições feitas com astrolábio, que entregou ao rabino Abraão, ido de Beja, mensageiro do Rei D. João II. O rabino, além de cartógrafo, passava por árabe, língua que dominava. Regressou a Portugal em 1490, dois anos antes de Colombo “descobrir as Índias” (ou seja, a ilha de S. Domingos, nas Antilhas). Bartolomeu Dias embarcou de Lisboa em 1487, com três caravelas. No dia 6 de janeiro de 1488 dobrou o Cabo das Tormentas, porém sem vê-lo, arrastado por grande tempestade, mas desembarcou na costa oeste africana. Os intérpretes congoleses não conseguiram entender os negros do outro lado do continente, que os atacaram com lanças. Bartolomeu Dias chegou a Lisboa pouco antes do rabino Abraão. Os roteiros de Dias e de Pêro casavam-se à perfeição. Estava desvendado o segredo do caminho oceânico para as Índias. Pêro deixou-se ficar na Etiópia. Descobrira que o lendário Rei cristão, poderoso e coberto de joias, conhecido por Preste João, era apenas o minerador dos abissínios. Deste modo, as “Minas do Rei Salomão” deram lucros a Portugal, que escondeu do resto da Europa os feitos e frutos do extraordinário Pêro de Covilhã.
Para alguns leguleios, D. João II limitou-se a papel secundário na “descoberta da América” por Colombo, ao recusar-se a financiá-lo, aventura bancada pelo Rei de Espanha. Em verdade, Portugal já descobrira as Índias, a das especiarias e do comércio que valia a pena, no esplendor da era mercantilista! Colombo descobriu uma ilha selvagem. Portugal tornar-se-ia a nação mais poderosa da Europa, graças a Ásia, objeto do artigo seguinte.
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