Sacha Calmon
Após a loucura mística de D. Sebastião, como vimos, e o inconsequente “sebastianismo” que se lhe seguiu, Portugal foi reabsorvido por Castela. Com isso, deu-se outra tragédia: “Antes do final do século XV, Portugal era o único país da Europa onde os judeus não eram perseguidos. Tinham sido expulsos de Inglaterra, no século XIII, de França, no século XIV, e, posteriormente, da Alemanha, Polónia e Rússia. Na Suíça, várias centenas foram queimados na fogueira. Em várias das cidades-estado de Itália, foi-lhes permitida a permanência, mas apenas em guetos, fora das muralhas da cidade. Era-lhes vedado o exercício do comércio e de outras atividades lucrativas, estavam privados de direitos políticos e civis e eram obrigados a pagar impostos altamente penalizadores”, diz Page (ob. cit.). “Cristãos e judeus, em Portugal, quando amigos, tinham por hábito visitar-se durante as festas religiosas, trocando presentes, geralmente constituídos por cestos de frutas e ovos ornamentados. Os judeus visitavam os cristãos no Natal e Páscoa, e os cristãos visitavam os judeus durante o Hanukkah e a Festa do Cordeiro Pascal. A perturbação deste ambiente criativo e civilizado e a substituição da tolerância e do respeito por uma perseguição implacável constitui, sem qualquer dúvida, o pior de todos os efeitos que Portugal sofreu com a crescente influência espanhola, a partir do domínio filipino”. O ‘cativeiro babilônico’ de Portugal sob o domínio de três reis espanhóis viria a durar 60 anos, na expressiva metáfora de Page.
Em 1580, D. Filipe, Rei de Espanha e Portugal (união real, ou seja, um rei dinástico de duas coroas), conferiu poderes à Inquisição para se financiar, através da guarda e leilão dos bens confiscados aos que eram condenados por heresia. Mais de metade dos mais importantes bancos comerciais de Lisboa estavam nas mãos de cristãos-novos. António José Saraiva, um destacado historiador do século XX, descreveu a Inquisição como “um veículo para a distribuição de dinheiro e outros bens ao seu numeroso pessoal – uma forma de pilhagem igual à que ocorre na guerra, embora mais burocrática”. O núcleo financeiro português desapareceu (mudou-se para a Holanda).
Nem todas as vítimas da Inquisição eram, no entanto, judeus. Os homossexuais, por exemplo, eram implacavelmente perseguidos, mesmo que fossem padres, sobretudo se pertencessem à Sociedade de Jesus, o principal adversário da Inquisição. A repetição do delito quando se encontravam encarcerados na prisão da Inquisição, significava a pena de morte – por imolação e por estrangulamento, antes de serem lançados à fogueira.
Durante os últimos anos da dinastia de Avis (D. João III e D. Sebastião) e do desastre militar de Alcácer-Quibir no Marrocos, ensejando o domínio espanhol, a frota mercantil portuguesa perdeu competitividade. E a marinha de guerra foi praticamente destruída ao largo da costa da Inglaterra, quando da sua integração na “Armada Invencível” da Espanha, que largou de Lisboa e foi destroçada por uma tempestade na Mancha. Sem o auxílio de Netuno, o Deus do mar revolto, a Espanha teria devastado a Inglaterra. Os portugueses só reconquistaram a sua independência aos espanhóis 60 anos mais tarde. Não seriam mais um potente e orgulhoso império (culpa do belo e místico Sebastião).
Os catalães foram os primeiros a rebelarem-se, levantando-se contra a Coroa espanhola com armas fornecidas pelo cardeal de Richelieu, Armand Jean du Plessis, mas sem êxito. O Rei D. Filipe ordenou aos portugueses que reunissem um exército de 1000 homens, para irem à Catalunha ajudar a dominar a insurreição. Mas logo a seguir, o cardeal de Richelieu enviou um agente secreto a Lisboa, oferecendo armas para serem utilizadas numa insurreição contra os espanhóis. Um grupo de nobres visitou o duque de Bragança, de um ramo ilegítimo da Casa de Avis, o mais plausível pretendente ao trono de um Portugal novamente independente.
Às nove da manhã do dia 1º de Dezembro de 1640, um grupo de aristocratas armados, juntamente com os seus criados, também armados, se reuniu no Terreiro do Paço e irrompeu pelas escadas do palácio. Miguel de Vasconcelos, o mais alto dignitário português, considerado pelos revoltosos como o principal traidor da pátria, foi assassinado quase imediatamente e o seu corpo atirado pela janela. A duquesa de Mântua, regente do reino, pediu ajuda, que não chegou. Todos estes acontecimentos foram ocultados ao duque de Bragança, por receio da sua total falta de ambição, outro erro histórico. Contudo, o golpe teve êxito e 15 dias mais tarde, numa plataforma erigida ao ar livre, no Terreiro do Paço, o duque foi aclamado Rei com o nome de D. João IV. Iniciava-se, após os reis filipinos de Espanha, a dinastia dos Bragança em Portugal. Mas a situação econômica era a pior possível. Tinha-se que retomar o Portugal ultramarino para sobreviver. Eis a restauração!
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