Sacha Calmon
Martin Page relata muito bem o desabamento do império português: “D. João III herdou uma enorme Corte, engrossada por aqueles que tinham recebido do pai dele novos títulos de nobreza, por centenas de colaboradores recrutados com direito a pensão e salário fixos, e até camponeses, que, abordando-o de surpresa, quando ele se deslocava pelo país, lhe desfiavam um tal rosário de desgraças que o Rei os mandava ir para Lisboa, onde lhes dava cargos remunerados que envolviam pouco trabalho. Boa parte do campo, cada vez mais despovoado pela praga, encontrava-se em pousio. A maioria dos alimentos era importada”. Corsários huguenotes, vindos dos portos do oeste de França e os já tradicionais piratas ingleses com títulos de “sir”, como Drake, infestaram os Açores, na encruzilhada entre o Atlântico Norte e Sul. Durante o reinado de D. João III capturaram mais de 300 barcos portugueses. Ao venderem as especiarias e as pedras preciosas em concorrência desleal, fizeram baixar de tal modo os preços que os portugueses pouco conseguiam lucrar.
Os lucros auferidos ficavam quase todos nas mãos dos concessionários privados, enquanto o Estado era obrigado a aguentar a despesa de uma marinha de guerra enorme. Quase todos os ricos, em Portugal, tinham sido isentos pelo Rei D. Manuel de pagar impostos. D. João III, na impossibilidade de cobrar tais impostos, começou a vender títulos do Tesouro no mercado financeiro de Antuérpia, sendo os juros liquidados através da emissão de novos títulos. “Deparam-se-me inúmeras razões para desesperar”, escreveu-lhe, na altura, o tesoureiro real. O rating de crédito de Portugal caiu de tal maneira que os banqueiros, em Antuérpia, exigiram uma taxa de juro de 25% ao ano. Quando D. João morreu, em 1557, os títulos portugueses do Tesouro tinham-se tornado naquilo que nos mercados financeiros atuais é conhecido por distressed paper, ou seja, mudavam de mãos quando se arranjava um comprador para a sua totalidade, com deságio.
Ao todo, 500 navios largaram de Portugal, transportando 24000 homens, incluindo quatro regimentos do Alentejo, 2000 mercenários, 1000 flibusteiros andaluzes – contra as ordens expressas do seu Rei –, 1500 soldados de cavalaria e ainda mil carroças destinadas a carregar os despojos de uma invasão programada para a maior glória de Deus. Mesmo quando a força de invasão atingiu a costa marroquina em Arzila, o ambiente continuava a ser de festa. Com eles iam ainda cerca de 6000 seguidores, de mulheres nobres a prostitutas de Lisboa, lacaios, mordomos, criados particulares e sacerdotes.
Estava-se em Agosto de 1578. Após cinco dias, exaustos, mal alimentados, sem água e obrigados a enfrentar o calor abrasador do verão, encontraram pela frente um exército muçulmano bem alimentado e municiado, pronto para a batalha. A infantaria muçulmana tinha o dobro dos efetivos da infantaria de D. Sebastião e a sua cavalaria era dez vezes superior. Contavam, ainda, com 7000 arqueiros e fileiras de canhões. Passadas poucas horas, tinham já morrido cerca de 15000 efetivos do exército de D. Sebastião, incluindo o próprio Rei. Os muçulmanos capturaram mais de 8000, incluindo a maioria dos seguidores, que foram vendidos como escravos. Menos de 1000 conseguiram fugir para Tanger, de onde regressaram de barco a Portugal.
Assumiu o trono o cardeal D. Henrique, tio-avô de D. Sebastião, o primeiro na linha de sucessão. Enviou para Roma uma petição ao Papa, pedindo licença para casar, já que, dada a sua idade avançada e sem herdeiro, seria o fim da grande dinastia real da Casa de Avis. O cardeal morreu, entretanto, antes de o Papa concluir as suas deliberações. Filipe II, o novo Rei de Espanha, enviou um pequeno exército a Lisboa, sob o comando do duque de Alba reclamando como herdeiro o trono. Os cidadãos, indefesos, renderam-se. Portugal passava para o domínio espanhol, com todas as terras e entrepostos comerciais do ultramar, inclusive o Brasil.
Faça seu comentário