Sacha Calmon
Dois séculos e meio se passaram desde que D. Afonso Henriques, o fundador do reino de Portugal, com a ajuda dos Templários (Segunda Cruzada), conquistara Lisboa, há três séculos em poder dos mouros, levando o território portucalense do Minho até além do Tejo, ao sul.
Corria a década de 1380. D. Fernando e os bispos governavam, ficando com 20% dos negócios, e o país esvaia-se. Casou-se com Leonor Teles, de origem espanhola, que tinha laços perigosos. Morreu o Rei aos 38 anos. A Rainha tornou-se Regente, em nome da filha, cujo pai muitos diziam ser o Conde Fernandes Andeiro, ligado às pretensões castelhanas. O Rei D. João I de Castela mandou acrescentar ao seu pendão real as armas de Portugal, em ato hostil, com a intenção de retomar o Condado Portucalense. A Ordem Militar de Avis (templários), formada sob os auspícios de S. Bernardo, ficou encarregada da defesa ao sul, após os castelhanos tomarem de assalto a cidade de Guarda. O comandante da Ordem de Avis era D. João, filho ilegítimo de D. Pedro I, meio-irmão do falecido Rei Fernando. Após requerer uma audiência com a Rainha Regente, foi ao Palácio e apunhalou o Conde de Andeiro. Em seguida, seus cavaleiros lutaram dentro do Castelo e venceram. A Rainha fugiu para Santarém e depois para Castela.
Dizia-se em Lisboa que D. João, o Mestre de Avis, estava preso em Palácio. O povo acorreu em socorro. Ao vê-lo, aclamou-o Rei de Portugal, inaugurando a Dinastia de Avis. A nobreza antiga, aliada a Leonor, caiu em desgraça junto com a Igreja de Avinhão, uma dissidência papal. D. João I de Avis formou nova aristocracia, sem desbaratar totalmente a de Borgonha. O Papa emitiu carta desautorizando outro soberano que não fosse ele, incentivador do trabalho e da meritocracia.
Mas os castelhanos, em número muito maior, avançavam por terra. D. João despachou à Corte de Ricardo II, da Inglaterra, o comerciante judeu Lourenço Marques, em busca de uma troca. Os plantagenetas (Casa de Anjou) estavam isolados no mar pelas marinhas de Aragão e França. Uma esquadra de rápidos galés portugueses, muito mais ágeis, socorreu os ingleses, derrotando os bojudos navios franceses e aragoneses, quebrando o bloqueio. O Rei inglês, em troca, concedeu ajuda financeira e permitiu a conscrição de mercenários ingleses para lutar ao lado dos portugueses.
No momento em que D. João incorporava os primeiros arqueiros ingleses ao seu exército, o Rei de Castela atacava Viseu para abrir um corredor até Lisboa. Em Trancoso, mais em baixo, portugueses os esperavam. Em vez de cavalgarem em campo aberto contra o inimigo, desciam dos cavalos e cavavam trincheiras. Após, os portugueses levantavam-se e cobriam os céus de setas mortíferas. Em seguida montavam e partiam em perseguição a golpes de sabre. A Guerra dos Cem Anos (Inglaterra x Gascônia) criara o arco de 4 flechas. Os lusos aprenderam a usá-los, assim como a tática da cavalaria desmontada.
A tática deteve os castelhanos, mas depois com um exército muito maior (30 mil incluindo cavaleiros franceses) voltaram em marcha contra Lisboa. O Condestável português, D. Nuno Álvares, foi ao encontro do invasor com 8 mil homens e desafiou o Rei castelhano para uma batalha em campo aberto. Juntou os seus num trecho pedregoso e algo íngreme na estrada para Lisboa, entre dois ribeirões. Dispôs a tropa em forma de cunha e durante a noite ergueu estaqueadas nos lados da estrada. Em 14 de agosto de 1385 os castelhanos chegaram. Após longos dias de marcha e já cansados, lançaram sucessivas cargas de cavalaria num trecho estreito e atropelado. Os ribeirões impediam o auxílio de cavalarianos. Os portugueses correram para os flancos da estrada e dali lançavam setas sobre os inimigos muito juntos e indefesos. Grupos lusos compactados avançaram aos gritos, a golpes de machado e espadas, sobre o grosso da tropa castelhana. O porta-bandeira inimigo fugiu e o Rei abandonou o rico pavilhão. Finalmente, a cavalaria atacou em círculos como enxames de abelhas. Ao cabo de três horas de luta cruenta, o exército espanhol foi derrotado, perseguido e aniquilado impiedosamente. A bravura e a tática venceram o número. Castela chorou 30 anos a perda de sua elite.
O Mosteiro de Batalha foi erguido para celebrar o feito, que livrou a nação de novas investidas espanholas. Portugal e Inglaterra selaram um acordo para fazer frente à Castela. O reino português foi o único a desgarrar-se da Espanha. Até hoje a Galícia, os países bascos e a Catalunha mantém suas pretensões separatistas. O galego-luso evoluiu para ser o português, o sexto mais falado no mundo. Portugal se tornaria, em 120 anos, a maior potência marítima, militar e comercial da Europa, África, Índia, Malásia, China e Japão. A primeira globalização foi feita por um pequeno reino, tirando dos venezianos e árabes o comércio internacional do Mediterrâneo para o Atlântico e o Pacífico, com suporte na superioridade de suas naus e mapas de navegação transoceânicos, como veremos em seguida.
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