Transparência e memória

Os nazistas alemães já diziam que uma mentira repetida milhares de vezes tornava-se verdade na mente do povo.

Vou tratar do mensalão, rememorá-lo de propósito. Para impulsionar o julgamento do caso, o ministro Joaquim Barbosa liberou o seu relatório, e posso adiantar que a coisa é séria. Contudo – com a atoarda da CPI do Cachoeira, habilidoso contraventor –, estão querendo ocupar a mídia e ocluir as maracutaias do mensalão, o maior esquema de corrupção de todos os tempos. Procuram tisnar, também, o caráter dos procuradores-chefes da República ligados ao processo que corre no Supremo.

A tática abebera-se nas fontes dos nazistas alemães. Lá se dizia que uma mentira repetida milhares de vezes acabava tornando-se verdadeira (na mente do povo). Querem nos fazer acreditar que aquele esquema era igual ao que todos faziam e fazem. “O mensalão – coisa banal – foi uma maldade da oposição, uma farsa burlesca”. Eis o recado subliminar que nos passam. Enquanto o julgamento não ocorre, notícias da CPI também pipocarão na mídia, diluindo os impactos do julgamento como se tudo fosse normal e igual. Por ora, Demóstenes, praticamente cassado, paga o preço do seu financiamento pelo amigo contraventor, a quem prestava favores corriqueiros. É peça pequena. Mira-se no governador Perillo e, por tabela, no PSDB, que o “amigo” Sérgio Cabral, governador do Rio, aliado e fraternal companheiro de Cavendisch, o ex-dono da Delta, está sendo “blindado” (o deputado Vacarrezza, do PT, foi pilhado tramando o muro de contenção em torno do prócer carioca: “Somos teu”).

Para termos noção da gravidade do mensalão é bom ouvir trechos da denúncia da Procuradoria Geral da República. A peça acusatória nos relembra como tudo começou, descrevendo a cena do escândalo dos Correios, com Maurício Marinho pilhado em vídeo “em conversas para ilicitamente beneficiar um suposto empresário interessado em negociar com os Correios, mediante contratações espúrias, das quais resultariam vantagens econômicas tanto para o corruptor quanto para o grupo de servidores e dirigentes da ECT que Marinho dizia representar”. O esquema de corrupção e desvio de dinheiro estava focado num primeiro momento em dirigentes dos Correios indicados pelo PTB, “esclarecendo que parlamentares que acompanham a base aliada recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao governo federal, constituindo-se o que se denominou como mensalão”.

Como consta da denúncia, a ilicitude se fazia de duas maneiras: “A distribuição política dos cargos públicos, como nominadas por Roberto Jefferson ‘fábricas de dinheiros’, e a distribuição de uma ‘mesada’ entre parlamentares. Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas’. (…) ‘Na realidade, as apurações foram além, evidenciando engendrado esquema de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.”

E prossegue, destacando as denúncias surpreendentes de Roberto Jefferson, presidente do PTB, aliado do governo Lula: “(…) “O conjunto probatório do presente inquérito é o retrato da estrutura profissional montada para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude”. Cita nominalmente “dirigentes máximos do partido”como responsáveis por desvios cujos objetivos eram “negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do partido e também custear os gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados”. Tudo isso para “garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores.”

A acusação não cessa: “Exposta em 136 páginas, constam os detalhes e a discriminação minuciosa das ações, dos mecanismos utilizados por intermédio do publicitário Marcos Valério para atender a demanda criminosa, o conluio com bancos privados e com dirigentes de empresas estatais. (…)”. O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia não como fator de condenação, mas como conjunto de indícios suficientemente robustos para a abertura do processo criminal.

Os procuradores Fernando de Sousa e Roberto Monteiro Gurgel não duvidaram um minuto sequer dos crimes cometidos. O Brasil não é a Argentina, com as instituições dobradas à vontade da “reina” Cristina. A presidente Dilma Rousseff reconduziu o procurador Gurgel ao posto maior do Ministério Público. A ele cabe sustentar a acusação, enfrentando uma plêiade notável de advogados. De nada valeu a tentativa de mostrá-lo conivente com as contravenções de Cachoeira. Armou-se, é certo, a tempestade. Ridículos pingos caíram sobre a sala da CPI capenga, mistificadora, ópera bufa, tão inquietante quanto o crime de Santo André, onde mataram o prefeito Celso Daniel. Quem terá sido o mandante político da execução? Assim como no caso Kennedy, jamais saberemos. Melhor sorte teremos com o mensalão. É o que espera a nação brasileira, pressurosa!

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