Royalties e justiça

Fala-se na mídia nacional de estados produtores e não produtores de petróleo e gás. Mas quando se trata de recursos naturais da plataforma continental e da zona de exploração econômica exclusiva a terminologia não tem sentido, falseando a distribuição dos royalties do petróleo entre a União, estados e municípios. O Brasil não tem território, nem soberania sobre o mar da plataforma continental e do leito do oceano. É titular de direito público internacional da prerrogativa de explorar, com exclusividade, os recursos naturais ali existentes. (Convenção Internacional de Montego Bay).

Constituição Federal - BrasilOnde não há território federal nem soberania é tolice falar em estados produtores e não produtores. Na técnica constitucional, a União tem bens, como os bens particulares, situados – salvo o mar territorial – em algum estado-membro, por elementar suposição.

Reza a Constituição que são bens da União (art. 20): V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI – o mar territorial; os quais, vê-se logo, situam-se fora dos estados e de seus municípios. O parágrafo 1º do artigo dispõe: “É assegurada, nos termos da lei, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”

Importa notar que a participação dos estados e municípios se dá de duas maneiras: 1ª) privativamente, quando a exploração ocorrer nos respectivos territórios e, 2ª) em igualdade entre eles quando a exploração ocorrer na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, do contrário o uso da expressão “respectivos territórios” seria desnecessária. Os poços de petróleo terrestres no recôncavo baiano geram royalties para a União, o Estado da Bahia e o município onde situados. O minério extraído de Congonhas, em Minas, gera royalties para a União, o estado de Minas Gerais e, óbvio, para o município de Congonhas, excluídos os demais.

Lado outro, o petróleo, o gás, os minérios que saem do subsolo marinho, abaixo do mar territorial, da plataforma continental ou da zona de exploração exclusiva haverão de ser repartidos entre todos os estados e municípios de forma igual em nome da isonomia federativa. Entre os bens da União, à exceção do mar territorial, não estão a plataforma continental nem a zona de exploração exclusiva, “apenas os recursos naturais nelas existentes” como diz o professor Igor Mauler Santiago (consultor tributário, 5/12/2012), com perspicácia.

“A Lei nº 8.617, de 4/1/1993, define em seu artigo 1º: “O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil”. O artigo 6º, que: “A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial’. A plataforma continental, a seu turno, está definida no artigo 11: compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.”

Sessão do Congresso Nacional para votação do veto da presidente Dilma Rousseff ao projeto que institui nova regra para distribuição dos royalties do petróleo. Foto: Moreira Mariz/Agência Senado

Sessão do Congresso Nacional para votação do veto da presidente Dilma Rousseff ao projeto que institui nova regra para distribuição dos royalties do petróleo. Foto: Moreira Mariz/Agência Senado

Nesses lugares não há estados e municípios. Andou bem o Tribunal de Justiça do Rio, em acórdão de 2005: “Além de ser duvidosa a juridicidade da via eleita pelo município para obter informações sobre operações offshore da referida estatal, a liminar deferida merece reforma, de plano, porque sua concessão dependia do reconhecimento de aroma de bom direito, inexistente nos autos. As projeções territoriais das linhas demarcatórias do IBGE não tornam a plataforma marítima – em que a Petrobras exerce suas atividades exploratórias – uma extensão do território dos municípios costeiros.”

Isso posto, a nova legislação sanou provecta inconstitucionalidade. Nem houve quebra de contratos. O pagamento de royalties está à parte, não se aumentou a alíquota, apenas o modo de distribuir os royalties. O veto era injusto. A sua derrubada favorece a Constituição e a vontade do povo brasileiro. Foi uma festa democrática e instrutiva de como funciona o sistema de pesos e contrapesos no Estado democrático de direito. Mas não se obriguem Rio de Janeiro e Espírito Santo a devolver o indébito. Seria injusto.

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