Osama e Obama

Até que ponto o terrorismo não é uma reação desesperada às humilhações impostas pelos EUA e o Ocidente aos filhos e territórios do Islã?

Os nomes se parecem e são de origem árabe/muçulmana. O pai de Obama era islamita, sunita. Osama era waabita, a mais radical e ortodoxa ramificação do credo no deus único, eterno e compassivo (El ou Alá). Até por ser mulato, mestiço, jamais um presidente americano esteve tão habilitado a iniciar um diálogo construtivo com o mundo islâmico (o cristianismo, seja copta, ortodoxo, católico, anglicano, protestante, tão dividido em inúmeras seitas, assim como o islamismo, descendem em linha reta do judaísmo deuteronomista).

Osama já estava morto quando foi assassinado. O radicalismo waabita, cujo berço é a Arábia Saudita, perdeu influência nas massas jovens da primavera árabe e persa (Irã) em busca de igualdade, modernização, democracia, progresso econômico, emprego e dignidade. Com a derrocada da União Soviética, não faz mais sentido o aparato militar dos Estados Unidos ao redor do mundo. Residualmente, nos últimos anos, esse aparato esteve ocupado em garantir as alianças espúrias dos EUA com governos ditatoriais, sejam repúblicas ou reinados do Oriente Médio e Norte da África, por causa de reservas petrolíferas vitais à segurança econômica da América, em sua incômoda dependência dessa fonte energética.

Há um hiato entre o poderio econômico e o militar dos EUA. A economia americana corresponde a um quinto da economia global (já foi 52% nos anos que se seguiram à 2ª Guerra Mundial), mas suas forças armadas e bases no exterior são tão grandes que superam juntas as máquinas de guerra do resto do mundo, excetuada a russa. Para quê? Um país cuja dívida pública já alcançou 85% do PIB (quase US$12 trilhões), com déficits fiscais e comerciais renitentes, somente se mantém estável graças à senhoriagem do dólar (o poder de emiti-lo “a la diable”).

Mas essa vantagem vai se restringindo dia após dia, à medida que o dólar perde valor e barateia os ativos nominados nessa moeda. A médio prazo será devastador, portanto, custear a máquina de guerra sem que existam inimigos, tendo em vista a globalização econômica, política e social em curso no planeta. Até um livro foi escrito para difamar Ghandi e a não violência e justificar os poderes armados e a violência como solução dos problemas políticos.

Um mundo conectado economicamente por bilhões de seres humanos torna Israel e EUA excrescentes. O assassinato de Osama bin Laden e parte de sua família, 10 anos depois da chocante derrubada das torres gêmeas, demonstrou a inutilidade das guerras do Iraque – que nada teve a ver com o ato terrorista –, do Afeganistão (somente porque Osama ali esteve instalado e treinado pelos americanos para combater os soviéticos) e da invasão do vale do Swat, no Paquistão, que criou um milhão de refugiados, além de milhares de mortes de civis inocentes.

Em suma, terrorismo feito por células se combate com os serviços de polícia, espionagem e informação, jamais com guerras caras, ruinosas, altamente lesivas aos direitos humanos de outros povos que sofrem a guerra na carne. De um ponto de vista técnico é um fracasso rotundo dos EUA alcançar Bin Laden – depois de tantos descaminhos – após 10 anos. As matanças no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão não deram em nada. O Iraque é um país anárquico (e fornecedor de óleo), o Afeganistão continua nas mãos do Taliban (nem a capital Cabul é um lugar seguro) e o Paquistão tornou-se muito mais antiamericano do que já era e mais perigoso, porquanto é uma potência nuclear.

Uma agenda positiva dos EUA na região implica quatro políticas bem definidas: 1ª) A criação de um Estado Palestino, com ajuda financeira para tornar-se autossuficiente concomitante com o reconhecimento de Israel. 2ª) Apoio decidido aos movimentos sociais democráticos que poderão mudar as feições do Oriente Médio, mormente se adotarem Estados laicos. 3ª) Diversificação das fontes de suprimento de petróleo, incluindo nesse esforço a Rússia, o Casaquistão e talvez o Brasil. 4ª) O abandono da política imperial, cada vez mais anacrônica.

A arrogância do império que atingiu o auge com os Bush, paradoxalmente, tornou o mundo um lugar perigoso para os cidadãos norte-americanos. O anti-americanismo não deriva da inveja nem da emulação, pelo contrário, não há quem deixe de admirar a organização e o nível econômico e social da América. Ele deriva da prepotência, da hipocrisia e da falta de respeito da política internacional dos EUA, como denunciam, cada vez mais, em livros e artigos, a universidade e ex-diretores do FBI e da CIA. Os valores que formaram a América precisam ser preservados e o país reafirmar seu papel democrático e igualitário no mundo para que o século 21 o enxergue com simpatia, sem temores ou desconfianças. Até que ponto o terrorismo islâmico não foi ou é uma reação desesperada às humilhações impostas pelos EUA e o Ocidente aos filhos e territórios do Islã?

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