Os governos e a política

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.

Vou começar com Ângela Merkel, que governou a Alemanha com eficácia. É dela a frase: “Os presidentes não herdam problemas. Supõe-se que os conheçam de antemão. Culpar os antecessores é uma saída fácil e medíocre”.

Cai com perfeição a frase da grande Merkel para analisar o discurso de Bolsonaro, ao dizer aos mil dias de seu governo (quando não se viu nada feito na infraestrutura, na educação, na saúde) que a corrupção caiu muito. É sua grande realização. Ora, ninguém o acha corrupto, apenas incompetente.

Nos estamentos inferiores, para se obter um alvará, um documento qualquer, há sempre uma “mordida”. E no Ministério da Saúde, foi uma luta terrível para adquirir a vacina indiana, a Covaxin, com o envolvimento de um ministro “banana” (“É simples”, disse ele, visto na TV junto a Bolsonaro. “Um manda, o outro obedece”).

Mesmo depois de sua exoneração, as movimentações para a venda de vacinas com sobrepreço continuaram intensas, como nos mostra a CPI, no Senado. É de se investigar a política de compras de medicamentos no Ministério da Saúde, cujo orçamento é gordo. É ali que estão os buracos dos ratos. E não tivemos ratoeiras suficientes no ministério.

Amauri Segalla, na coluna Mercado S/A, assinala o nosso atraso (28/9/21): “Sem investimentos robustos em portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, sem aportes em transmissão e geração de energia, sem desembolsos capazes de ampliar a cobertura das telecomunicações ou melhorar o saneamento básico”. Segundo a consultoria Pezco Economics, “o país investiu R$ 115,8 bilhões em infraestrutura, menos do que em 2019 e o equivalente a apenas 1,5% do PIB. Na China, para ser ter ideia, o índice está em torno de 7%. Não à toa, o Brasil faz feio nos rankings internacionais. Para o Fórum Econômico Mundial, as rodovias brasileiras ocupam um indigesto 108º entre as melhores do mundo, enquanto os serviços aeroviários estão na posição 67ª”.

O crescimento econômico sob Bolsonaro é puramente vegetativo em relação à PEA (população economicamente ativa). Equivale a dizer que involuímos. A cada ano desde o começo da administração Bolsonaro, a PEA tem sido maior que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) – não há que falar em desenvolvimento econômico, muito pelo contrário.

Roma era um valhacouto de fugitivos no Lácio, em 300 a.C., até se tornar uma cidade-Estado dominada pela austeridade. Tornou-se um império que durou 1.800 anos, se considerarmos o Império Romano do Oriente, cuja capital, Constantinopla, só caiu em poder dos turcos otomanos por volta de 1456 d.C. Roma experimentou todas as formas de governo. Da supremacia colegiada do Senatus Romano até a época dos imperadores, sendo o maior exemplo Otávio, o Augusto (o monarca esclarecido). Seja lá como for, Roma se expandiu pela força militar multinacional, mas permaneceu pela administração econômica e comercial.

A moralidade é básica, mas as nações são grandes pelo tamanho e o dinamismo de suas economias, e nesse item Bolsonaro e seu governo são rotundos fracassos. São 30 milhões de brasileiros marginalizados a passar necessidades, entre elas a fome, e praticamente 15 milhões de desempregados. Não há tragédia maior.

Mas não é só: entre 1880 e 1930 e também depois de 1945, cerca de 6 milhões de imigrantes, vindos principalmente de países europeus, tais como Europa do Leste, Alemanha, Portugal, Espanha e Itália, aportaram no Brasil. Queriam iniciar uma nova vida fugindo de guerras, perseguições, fome, para fazer fortunas no nosso país. Havia por parte do Brasil também programas de incentivos à mão de obra estrangeira para ocupar regiões, deixando, no entanto, à míngua seus ex-escravos, mantidos deseducados e a grande massa de caboclos nordestinos exilados pelos coronéis.

Com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, um fenômeno que já vinha ocorrendo em menor escala ganhou força: a quantidade de brasileiros que saiu do país aumentou entre 20% e 30%, e estima-se que 4,5 milhões de pessoas estejam no exterior, marca jamais vista. E isso numa época de pandemia, com as nações fechando suas fronteiras.

Não existem políticas coerentes de crescimento econômico nem planejamento algum. Quem nos dera nesta hora um Juscelino. Aqui, a péssima gestão da crise da COVID-19 fez do país um lugar pouco atrativo. O volume de expatriados antigamente buscava EUA e Portugal. Agora, vão à Irlanda, passando pelo Uruguai, até o México. Neste último, a esperança perigosa em direção aos EUA, de modo ilegal, o que tem causado prisões, mortes e deportação, além de separação de pais e filhos.

Esse êxodo procura oportunidades de trabalho, educação, saúde, bem-estar, segurança e futuro, porque em nosso país não há nenhuma oportunidade, caso contrário isso não estaria ocorrendo. O país, esperança para os antigos estrangeiros, hoje expulsa os seus para o exterior. Por parte do governo não ouvimos uma palavra, sequer “ame-o ou deixo-o”. Mas como amar, se não se é amado?

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