O inferno da inflação não ficou para trás

Sachagado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Sergio Lamucci nos apresenta uma análise da carestia. O retrato da inflação oferecido pelo IPCA-15 de maio deixa claro que o Brasil continua no inferno da inflação, ao contrário do que disse na semana passada o ministro da Economia, Paulo Guedes.

As pressões inflacionárias seguem disseminadas, com altas fortes dos preços de serviços, produtos industriais, combustíveis e alimentação no domicílio. Mesmo com a deflação expressiva das tarifas de energia elétrica, de 14,09%, o indicador teve aumento de 0,59%, bem acima do 0,45% do consenso apontado pelos analistas.

Em 12 meses, a variação acumulada passou de 12,03% em abril para 12,2% em maio, a maior desde novembro de 2003. É um número muito superior à meta deste ano, de 3,5%.

Quase três quartos dos itens do IPCA-15 de maio tiveram alta, como mostra o índice de difusão, de 74,93%. É um percentual inferior aos 78,75% do mês anterior, mas bem superior aos 67,57% de maio de 2021, de acordo com números da MCM Consultores Associados.

“A inflação continua espalhada pela economia, apesar do forte ciclo de alta da Selic promovido pelo Banco Central (BC), que elevou a taxa de 2% ao ano em março do ano passado até os atuais 12,75%. Em junho, os juros básicos devem subir mais 0,5 ponto percentual, e não se pode descartar uma nova elevação em agosto.

Os preços da alimentação na rua contribuíram para o IPCA-15 desacelerar de 1,73% em abril para 0,59% em maio, mas a alta da comida em casa continua muito expressiva. Passou de 1,71% para 3%, um aumento ainda muito forte. Em 12 meses, a variação acumulada subiu de 15,4% para 16,79%”.

Essa inflação elevada e persistente dos preços da alimentação no domicílio ajuda a corroer a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, especialmente entre a população de menor renda. O IPCA-15 de maio mede a inflação entre a segunda metade de abril e a primeira metade deste mês.

O quadro também é preocupante na inflação de serviços, que acelerou de 0,59% para 1% de abril para maio. A reabertura da economia, com o fim das restrições à mobilidade social por causa da COVID-19, contribui para a alta expressiva das cotações desses itens. Em 12 meses, a variação pulou de 6,68% para 8,16%.

“A inflação subjacente de serviços, que concentra os itens que mais respondem à demanda, também teve aumento significativo. Avançou de 0,67% em abril para 0,98% em maio, fazendo o acumulado em 12 meses saltar de 7,4% para 8,36%, como mostram os números. A medida subjacente de serviços exclui os grupos de serviços domésticos, cursos, turismo e comunicação, menos sensíveis ao ciclo econômico.”

A coleção de más notícias não termina por aí. Os produtos industriais viram a inflação acelerar de 0,87% para 1,62%, num cenário em que a guerra entre Rússia e Ucrânia contribui para problemas nas cadeias globais de suprimentos, um processo que havia se iniciado com a pandemia.

Em 12 meses, os preços de bens industriais subiram 14,41% no acumulado até maio. É o maior aumento da série da MCM iniciada em julho de 2000. Até abril, a alta era de 13,7%.

A média dos cinco núcleos acompanhados com mais atenção pelo BC mostrou mais uma vez um quadro difícil para o combate à inflação. Medidas que procuram reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis, esses cinco núcleos subiram em média 1,1% em maio, depois de aumentar 0,87% em abril.

Com isso, o acumulado em 12 meses passou de 9,34% para 10,14%, superando os dois dígitos. É mais um sinal de que a inflação não está concentrada em poucos itens.

A deflação de energia elétrica foi o principal fator que contribuiu para uma inflação mais baixa no IPCA-15 de maio. Desde meados de abril, passou a valer a bandeira verde, pela qual não há cobrança adicional na conta de luz. Com isso, o recuo do item foi de 14,09%.

Sem esse efeito, o indicador teria subido 1,28%, em vez de 0,59%. Os preços dos combustíveis, a obsessão de Bolsonaro, subiram 2,05% em maio. Uma alta forte, ainda que inferior aos 7,54% do indicador de abril.

O descontentamento com os reajustes desses produtos é o que explica mais uma troca de presidente da Petrobras – na segunda-feira à noite, o governo anunciou a demissão de José Mauro Coelho do comando da estatal e a indicação de Caio Mário Paes de Andrade para o posto.

O panorama para a inflação, como se vê, segue complicado. O inferno inflacionário não ficou para trás. Isso deve exigir juros altos por um tempo significativo, o que vai afetar a atividade econômica no segundo semestre e no ano que vem. A volta da inflação à trajetória das metas, de 3,5% em 2022 e 3,25% em 2023, não deverá ser fácil.

Ocorre que as eleições estão aí. Bolsonaro não fez nenhuma obra significativa. Tal como Lula, mudou nomes, mas fez o mesmo que seu adversário: populismo puro, com fins eleitoreiros (Casa Verde-amarela e Auxílio Brasil).

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