O holocausto brasileiro

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.

Quer dar a entender que controla as Forças Armadas e difama as urnas eletrônicas para confundir a população.

Assis Moreira, desde Genebra, na Suíça, nos faz uma resenha sobre a nossa imagem na Europa e eu torno minhas suas palavras: “O Parlamento Europeu aprovou uma resolução por ampla maioria sobre a COVID-19 na América Latina, na qual exorta ‘os líderes políticos a agirem de forma responsável, a fim de evitar novos agravamentos da situação’, horas depois de duras críticas feitas contra o presidente Jair Bolsonaro por vários eurodeputados em plenário”.

A resolução – não tem força legal, mas é um reflexo da deterioração da imagem de governos latino-americanos, em particular o de Bolsonaro – foi aprovada por 597 votos a favor, 51 contra e 43 abstenções.

Os deputados manifestam “profunda preocupação com o impacto devastador da pandemia na Europa e na América Latina” e defendem cooperação entre as duas regiões.

Em plenário, o debate mostrou um ambiente muito carregado contra o atual governo brasileiro. Os ataques foram focados nominalmente em Bolsonaro e menos em Nicolás Maduro, da Venezuela.

“A gestão criminosa de Bolsonaro, em vez de fazer guerra ao vírus, faz contra a ciência”, criticou o deputado espanhol Miguel Urbán Crespo. Para as deputadas alemã Anna Cavazzani (verde) e portuguesa Isabel Santos (socialista), Bolsonaro teria feito tudo para a população não ser vacinada e não foi erro, mas irresponsabilidade deliberada. A deputada Isaskun Bilbao Barandica, do Renova Europa, acrescentou que a “atuação de Bolsonaro ajuda o vírus a matar”. A deputada sueca Jytte Guteland, da aliança progressista europeia, reclamou que a situação ficou pior no Brasil com a “falsa propaganda do presidente brasileiro”.

Entre parlamentares mais à direita, alguns mencionaram “líderes negacionistas que cometeram inumeráveis erros”, mas destacaram que o momento não era de querer dar lição à América Latina, e sim de ajudar, e que também houve erros na Europa no combate ao vírus.

As intervenções são uma coisa, e a resolução, outra. Negociações entre as forças políticas, que partiram de moções mais agressivas, resultaram num texto final bem mais moderado. Diplomaticamente, o Parlamento não fez referências nominais – embora só tenha faltado soletrar o nome do presidente brasileiro.

A resolução observa que “alguns governos foram particularmente criticados por optar por vias políticas perigosas no que diz respeito à pandemia de COVID-19, mostrando oposição a iniciativas sanitárias regionais e locais, inclusive ameaçando enviar o Exército para impedir o confinamento e restrições a nível local, e que foram acusados de ignorar as diretivas fundamentais da OMS, as práticas em matéria de gestão de pandemias e as orientações de saúde pública baseadas em dados científicos”.

Também “lamenta que a pandemia de COVID-19 tenha sido fortemente politizada, inclusive através da retórica negacionista ou da minimização da gravidade da situação por parte dos chefes de Estado e de governo” e pede para eles agirem de forma responsável. Sugere intensificação na luta contra a desinformação, notícias falsas e pseudociência em relação à pandemia.

Os eurodeputados pediram para a UE ajudar a América Latina com vacinas e programas que evitem aprofundar as desigualdades na região, destacando que as duas regiões “têm um interesse estratégico crucial”.

Na sua proposta de resolução o Partido Popular Europeu (PPE), a maior força política no Parlamento, com 175 dos 705 eurodeputados, deplorava “a China por impulsionar sua própria agenda política em troca de vacinas”.

O PPE pedia para os parceiros com os mesmos interesses (“likeminded”), especialmente os EUA, por sua proximidade com a região, a expandir para os outros países da América Latina seu programa de vacinas (excedente atualmente disponível) além do México e o Canadá (Nafta).

No que nos diz respeito à deterioração da imagem do Brasil em razão da boçalidade de nosso presidente, é muito preocupante, apesar de o quarteto fascista e inimigo da democracia já ter sido desfeito – Araújo, das Relações Exteriores; Salles, o desmatador e comerciante de madeiras, Meio Ambiente; o abestado Pazuello, da Saúde; e Waintraub, da Educação (donde se queria inculcar o fascismo autoritário e desmanchar a resistência universitária, que é total). E o tempo foi se passando. O “inovador” se uniu ao “centrão” (fora o MDB e DEM).

A intenção de Bolsonaro é “melar” as eleições para se tornar ditador, como Orban na Hungria e Duda na Polônia.

Quer dar a entender que controla as Forças Armadas e difama as urnas eletrônicas para confundir a população, a justificar, desde já, seus intentos antidemocráticos. É um estelionato político completo ante a complacência da sociedade civil.

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