O favoritismo de Lula

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Lula é o franco favorito para a Presidência da República. O voto popular é soberano. Aliás, entre os males que Bolsonaro fez ao país foi o de reativar o veto militar a pessoas, partidos e ideias. Não tem disso não; pela Constituição, os militares têm funções estritas e devem se afastar da política, que, para tanto, existem instituições, restrições e partidos.

Antônio Machado, um dos melhores cronistas políticos e econômicos do país, merece ser lido e o dou transcrito: “Não há como esconder as relações espúrias com empreiteiras e grandes empresas”. Mas não restou provada a tese de que “Lula seria chefe de quadrilha, denúncia central na peça acusatória do Ministério Público Federal e na sentença de Moro, mantida em recurso da defesa junto ao TRF-4 e pela turma de ministros do STJ”.

“O viés político de uma peça que deveria ser exclusivamente técnica é o que martelou a defesa de Lula, sendo aceito pelo STF, e poderá ser invocado por ele se tiver de enfrentar a desconstrução de sua candidatura. Não é frágil argumentar que, sem a prisão, tenderia a se eleger em 2018, talvez em primeiro turno.”

“Quanto mais convincente a justificativa, sobretudo junto à maioria do eleitorado que demonstra estar mais interessada nos bons tempos do lulismo que na má vontade da imprensa, menor a chance de a candidatura Moro prosperar – condição assessória para Bolsonaro manter as rédeas da extrema-direita mesmo perdendo a reeleição.”

Se necessário, a campanha de Lula poderá argumentar que boa parte dos denunciados, sobretudo os ligados à Petrobras, era indicação de partidos do Centrão, que hoje apoiam Bolsonaro, controlando a Câmara, orçamento federal e vários ministérios, em aliança eventual com a cúpula do Senado. Aliados do PT até 2016, tais partidos foram estranhamente poupados pelos procuradores…

A relação Lula-Centrão talvez fique suspensa até 3 de outubro, podendo servir, em caso de derrota de Bolsonaro, para enquadrar os mais afoitos dos partidos que fazem da política meio de vida fácil de enriquecimento. Com a cúpula renovada na Procuradoria e na Polícia Federal, os caciques do Congresso estarão mais propensos a ceder o poder de chantagem sobre o governo, exercido pela manipulação das chamadas “emendas de relator” ou “orçamento secreto”.

“A moralização da formulação e execução da lei orçamentária é vital para a reestruturação da governança do Estado, condição sine qua non para um governo minimamente funcional, o que hoje não há.” O PT é mais “institucional”.

“Não é impossível a Lula manter-se à frente das preferências, mesmo fustigado pela imprensa e adversários. Semana passada, Bolsonaro disparou: ‘Como é que aquele cidadão está conseguindo apoio, apesar de uma vida pregressa imunda?’. Como se a dele fosse limpinha…” A força de Lula é sua aceitação maciça pelo eleitorado com renda familiar total de até cinco salários mínimos, que é mais de 70% da população apta a votar. Essa faixa da população deu 47 milhões de votos a Fernando Haddad, em nome de Lula, em 2018. Apenas 10 milhões a menos que a votação de Bolsonaro, apesar da carga negativa sobre o PT e com o ex-presidente trancafiado em Curitiba…

A gestão desastrosa da economia pelo governo, levando dezenas de milhões à miséria, famílias inteiras morando como nômades em tendas armadas nas ruas, pois despejadas e sem renda, formam o contraponto à minoria dos bairros nobres de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, até de Brasília, no Sudeste.

Ao contrário de 2002, quando Lula atraiu parcela expressiva desses eleitores mais bem aquinhoados, hoje sua eventual eleição dependerá do piso da pirâmide de renda, o que condiciona a política econômica a inserir a necessidade de um programa que promova o crescimento e a distribuição de renda.

Sejamos francos: é perda de tempo candidato deitar falação visando agradar ao mercado financeiro. O pobre remediado de 2002 hoje está exausto depois de tanto proselitismo sobre assuntos que não entende bem e não atende às suas necessidades. Até os empresários mais lúcidos estão convencidos de que a economia precisa de novas ideias.

O que lhes aflige é a ignorância altaneira de Bolsonaro, que nem o ministro mercador de ilusões conseguiu lapidar. A incerteza quanto a Lula é se ele terá sensibilidade para entender que a exaustão da ortodoxia econômica não implica apoio à heterodoxia à lá Dilma nem ao desenvolvimentismo de antanho. Esse é o ponto crítico da eleição.

“Está meio precificada a continuidade do Bolsa-Família ampliado por Bolsonaro, mas se espera uma estratégia que promova o investimento em mobilidade urbana, moradias, energias renováveis, logística, que geram muitos empregos. O ensino profissionalizante ser a porta de saída do assistencialismo e a digitalização universal de pequenas e médias indústrias, a alavanca da produtividade.” E Lula, nesses temas, vem com tudo, graças à sua assessoria e à sua intuição.

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