Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
Somos nada solidários e estamos devendo explicações sobre o valor da dignidade humana, em escala planetária
Samuel Pessoa é um economista discreto e respeitado. Ele descreve o cenário que tracei no final do ano anterior (2020) para este que se encerrou, 2021. Eis o cenário para o ano que se inicia.
Diz ele: “Pensava que o crescimento seria de 3,6%. Deve ser de 4,6%. A volta da economia após a parada no segundo trimestre de 2020 continuou até o primeiro trimestre de 2021. Em seguida, a economia andou de lado. Mas o crescimento do primeiro trimestre foi suficiente para sustentar a recuperação da economia, revertendo as perdas da pandemia. No quarto trimestre de 2020, a economia rodou provavelmente 0,6% acima da posição no mesmo período de 2019, último trimestre antes da epidemia”.
O pior desempenho foi a inflação. “O IPCA fecharia o ano em 3,5% e baterá em 10%. Houve quebra da safra brasileira em função do clima seco. Agora são as chuvas em regiões produtoras no Mato Grosso, Tocantins, Bahia e Minas.
“A Selic irá até 11,5%-12%, o que produzirá juro real na casa de 6%-6,5%, em função de nosso cenário de 5,5% de inflação em 2022. Como considero que o juro real neutro, aquele que nem contrai nem expande a demanda, é da ordem de 3%, o juro real praticado em 2022 será de aproximadamente 3%. Contração monetária de 3% retira cerca de 0,7 ponto percentual de crescimento”.
“Assim, o carregamento de 2021 para 2022 será de 0,7% e a contração monetária retirará 0,7 ponto percentual da atividade. O crescimento, considerando esses dois fatores, ficaria no zero a zero. Mas aí temos que lembrar o orçamento extrateto aprovado pelo Congresso, de aproximadamente R$ 100 bilhões (gerará expansão fiscal). Soma-se a isso o aumento do investimento dos estados, que têm dinheiro em caixa – a receita de ICMS subiu em 2021, em termos reais, 16%”.
Vamos falar do ano de 2022, tão próximo. “Ao longo do ano, com a corrida eleitoral, o risco deve aumentar. Minha hipótese é de que no final do ano, independentemente de quem vença a eleição, devemos iniciar um novo período de descompressão do câmbio, em função da retomada da agenda de ajuste fiscal com o novo governo”.
Samuel Pessoa é muito otimista, embora o Brasil seja a segunda economia das três Américas e a maior entre os países falantes de idiomas ibéricos, notadamente México, Colômbia e Argentina, tanto que o PIB de São Paulo que chega aí por volta de 39% do PIB nacional bate forte na nossa vizinha e combalida Argentina.
Causa espanto o presidente da nossa querida coirmã dizer que nós viemos das florestas (indígenas) e dos negros (escravos trazidos da África) enquanto “los Hermanos” tenham vindo de “los barcos” (imigrantes europeus), especialmente os espanhóis e italianos.
Ora, cá tivemos também portugueses, galegos, italianos principalmente do Norte, ucranianos, polacos, alemães e outros. E daí? O que importa é que estamos à frente no PIB, geral muito embora o PIB “per capita” argentino seja maior. É que eles são apenas 41 milhões e nós 220 milhões, uma população cinco vezes maior. O deles é de 28% do PIB americano. O nosso é de 23% sempre “por cabeça”.
A demografia traça muitas vezes o destino das nações.
Por isso a China assusta, tem 1 bilhão e trezentos e setenta milhões de habitantes e haverá um momento, por volta de 2030, que o seu PIB será o maior do mundo, passando os EUA, crescendo mais 10 anos a 8% ao ano (teoria dos múltiplos) embora o PIB per capita fique ainda menor, embora muito significativo (o maior mercado interno do planeta terra). Os EUA têm uma população em torno de 360 milhões de habitantes, embora em crescente desigualdade estrutural, o que lhe traz desvantagens econômicas. A China é maior e mais igual.
Mas não é disputa ideológica e sim econômica, mas com grandes reflexos na Ásia e na África. Ademais, Rússia e China estarão sempre lado a lado num mundo que se delineia multipolar, algo salutar.
Quanto a ser capitalista o regime econômico é fato provado e assentado.
A questão de fundo diz respeito – aí o busílis da controvérsia – ao regime político que tende para a iniciativa privada, a liberdade de opinião e um papel indeclinável dos governos na diminuição das desigualdades sociais que ainda assolam o planeta terra. Somos nada solidários e estamos devendo explicações sobre o valor da dignidade humana, em escala planetária.
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