Everardo Maciel e a reforma dos tributos

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.

“Essa reforma tributária não passa de um remendo caipira feito por um ministro da Economia trapalhão”.

A tramitação do novo pacote tributário no Congresso confirma, para o pernambucano Everardo Maciel, uma verdade antiga: o Brasil “é um país que não perde a oportunidade de errar”. Consultor tributário experiente, que comandou a Receita Federal no segundo mandato de FHC, ele considera “de péssima qualidade” o projeto enviado pelo governo Bolsonaro – que, entre outras coisas, restabelece a tributação de dividendos.

O resumo da ópera, para ele, é que no Brasil “essa reforma atrapalha todos”. E que o ganho de arrecadação, se aprovada, vai se concentrar nas costas de quem ganha de R$ 40 mil a R$ 83 mil por ano. “Sabe quem é esse pessoal? A classe C.” Para Maciel, “é uma fraude política”. Apresentada uma intenção inicial, os autores do texto “conseguiram reunir todo mundo contra”. Em entrevista para o “Show Business”, da Band – que foi ao ar de madrugada –, o ex-secretário da Receita Federal abre o leque e adverte: “A principal crise do país é a moral”.

A seguir, os principais trechos da conversa: “Percebo que caímos na obsessão pelas reformas. Mas quais? Lembro-me de um livro do Eça de Queiroz, ‘Da fisiologia das reformas’ – escrito no século 19. Eles queriam reformar, mas não sabiam o quê. E vale mencionar “Alice no país das maravilhas”, que chega numa encruzilhada e pergunta ao gato qual caminho deve tomar. Ele pergunta: ‘Pra onde você quer ir?’. Ela responde: ‘Não sei”. E ele responde: ‘Ah, então toma qualquer um’”.

“Esse nosso pacote, especialmente o projeto de reforma da tributação da renda, conseguiu a façanha de ser contestado por Febraban, CNI, Fiesp, Frente Parlamentar Rural. São 55 entidades representativas contra. Ninguém percebe que tem alguma coisa errada aí? A primeira motivação do projeto foi uma intenção de campanha política, de aumentar o limite de isenção do Imposto de Renda. O presidente tem poucas virtudes, mas um defeito claro é que não entende absolutamente nada de assuntos tributários. Enfim, ao se tentar fazer esse aumento de isenção, tem que criar algumas compensações. Aí já não é mais o presidente, é o Ministério de Economia. Então, o que acontece com a dita não tributação de dividendos? Ela não incide porque isso já foi tributado na pessoa jurídica. E qual a melhor maneira de se fazer? Tributar na empresa? Ou no dividendo? Ou nos dois? Isso é uma escolha técnica. Uma das grandes virtudes de tributar na empresa é prevenir uma coisa terrível chamada distribuição disfarçada de lucros, que é de controle dificílimo.”

“Pode-se dizer que reforma tributária no Brasil sempre se resume a uma coisa simples: diminuir o meu imposto e aumentar o seu. Leva quem grita mais alto. Eu vejo nessa história uma espécie de sucateamento do Estado. O primeiro sintoma disso é uma espécie de degradação moral, houve uma banalização da corrupção. E não é só meter a mão no dinheiro público, ela também é disfarçada nas emendas, indenizações, penduricalhos. Dizem que isso tem pouca importância fiscal, essa coisa das emendas parlamentares. A questão não é o tamanho, é que isso é um instrumento da corrupção. Enquanto existirem emendas haverá corrupção. Alegam que é o exercício da função parlamentar. Não é. É apenas negociata. Não estou dizendo que toda emenda é corrupta. Mas, sim, que a emenda propicia a corrupção. Eu só acho que não se pode discutir o orçamento como um pedaço da minha pessoa, da sua…. De onde veio isso? De um erro da Constituição de 1988. Alguém, muito razoavelmente, ponderou que na feitura de um orçamento, se houvesse alguma omissão ou equívoco poderia ser revista a receita. Acontece que em todos os anos houve erro ou omissão, e as emendas viraram uma prática.”

Agora, digo eu, essa reforma tributária não passa de um remendo caipira feito por um ministro da Economia trapalhão.

Nosso entrevistado tem razão: “Olha, as despesas com cota de representação parlamentar são publicadas. Alguém dá bola pra isso? Ninguém. É que o problema não está no detalhe, está no todo. A transparência também pode servir pra banalizar. Resulta no que a Hannah Arendt chamou de banalização do mal. A gente fica vendo, agora, pessoas apoiando esse negócio do voto impresso. E me pergunto: caramba, o que aconteceu? Sei que há pessoas sensatas nesse apoio, o que me deixa assustado”.

“Só posso esperar que as pessoas convertam sua indignação em consciência, em convicção. Temos de ter a coragem de pensar. Aí começamos a construir uma expectativa positiva e pode-se ter esperança. Que as pessoas não desanimem, mexam-se.”

Vai ser cada vez pior a vida dos brasileiros até as próximas eleições. A política econômica é nanica e controversa. A fome, o desemprego, a desesperança tendem a aumentar. Haja paciência!

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