Cúpula das Américas

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Após semanas de preparativos confusos, deu-se a 9ª Reunião de Cúpula das Américas, em Los Angeles. Na véspera da abertura, porém, ainda não havia certeza se o México seria representado por seu presidente, Andrés Manuel López Obrador. Também não havia certeza a respeito da representação de Cuba, Venezuela e Nicarágua. A sugestão, em maio, de que o governo americano não convidaria os três países para o encontro causou a reação de López Obrador, que ameaçou liderar um boicote.

Publicamente, às claras, Bolsonaro disse não confiar nas urnas. Na hora e na bucha, Biden, bem-informado, disse confiar plenamente no sistema eleitoral do Brasil, um claro não ao projeto de Bolsonaro de se tornar ditador, alegando fraude eleitoral.

Diante disso, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse semanas atrás que a lista de convidados ainda “não estava fechada” – em meio a indicações de que emissários negociavam uma solução para o impasse com López Obrador.

López Obrador ainda não tinha confirmado presença, assim como não havia definição sobre como Venezuela, Nicarágua e Cuba estariam representadas. “Ainda temos algumas considerações finais”, disse no fim de semana o assessor especial do presidente Joe Biden, Juan González. Acrescentou que Washington vinha mantendo “conversas respeitosas e ativas com o México” sobre o tema. Essas questões foram superadas e a cúpula aconteceu, é o que importa.

O líder boliviano Luis Arce, por seu lado, confirmou não ir à cúpula. Mas foram o peruano Pedro Castillo e o chileno Gabriel Boric. “Se querem fazer uma reunião entre amigos, fiquem livres para isso, mas não chamem de ‘Cúpula das Américas’”, disse Arce em mensagem enviada a Washington.
Bolívia, Nicarágua e Venezuela se reuniram uma semana atrás em Cuba para uma “cúpula paralela” da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Na avaliação de analistas, as confusões e controvérsias ameaçam os objetivos da Casa Branca. “O encontro devia mostrar a medida do compromisso dos EUA com a América Latina nos próximos anos”, disse Benjamin Gedan, ex-funcionário da Casa Branca e diretor interino do programa da América Latina do Wilson Center, para o The Washington Post. Se a Casa Branca não der passos concretos para se tornar um substituto viável para a crescente influência da China, o impacto será devastador para a posição dos EUA na região, analisou Gebran. “Este é o momento claro de oferecer essa alternativa”, declarou.

Durante a preparação e em meio ao risco de esvaziamento da cúpula, o governo Biden anunciou medidas que aliviam o embargo contra Cuba – como o retorno de voos diretos dos EUA para a ilha – e o relaxamento de sanções ao setor de petróleo da Venezuela. As decisões foram vistas como um aceno ao México, para evitar o boicote à cúpula de Los Angeles.

“Está na hora de os EUA realmente colocarem um pouco de ação nas promessas que fazem vagamente à região”, disse Rebecca Bill Chavez, diretora do grupo de reflexão Inter-American Dialogue, de Washington, ao Financial Times. “É uma oportunidade realmente crítica para o governo dos EUA, havia muitas expectativas quando Biden assumiu a Presidência de que haveria mais prioridade para a região como um todo”.

“Grande parte dos latino-americanos critica o que se considera descaso de Biden com a região e ele deve ter concluído que manter as políticas de Donald Trump não o favorece entre a população de origem latina, num ano de eleições legislativas”, afirmou Peter Hakim, também acadêmico do Inter-American Dialogue.

E foi neste contexto de ampliar a atenção para a América Latina que Washington convidou especialmente para reuniões bilaterais o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que até então também não tinha confirmado a presença, e o argentino, Alberto Fernández, que visitará Washington após o encerramento da Cúpula das Américas.

Os principais temas da cúpula também atraíram críticas, com a abordagem de assuntos recorrentes, como imigração e democracia. “Será provavelmente mais uma oportunidade perdida com os latino-americanos falando sobre Cuba e Venezuela e os EUA concentrados de novo em migração”, disse o vice-presidente da Americas Society e do Council of the Americas, Eric Farnsworth: “Seria um momento muito oportuno para avançar nas questões climáticas, normalmente ausentes das discussões no hemisfério, em busca de desenvolvimento de tecnologia, bens e serviços de energia limpa”, afirmou.

Está na hora de os EUA ajudarem os latinos ao revés de explorá-los. Um Plano Marshal para a América Latina ajudaria a aliviar a dívida americana para com os povos da região, como fez com a Alemanha na Europa, e na Ásia com o Japão, seus inimigos na 2ª Guerra Mundial. Aos EUA, não cabe mais o papel de “tutor” dos países latinos-americanos! Deve ser parceiro.

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