Criminalidade política

No Brasil, país para lá de leniente, tem-se a sensação de os políticos estarem acima das leis. A coisa pública tornou-se “cosa nostra”, deles.

Existem povos enérgicos e povos lenientes. Os primeiros compreenderam cedo estarem os valores éticos da sociedade imbricados nas leis, ante as quais todos são iguais. Os lenientes, com certa vileza, acham-nos meros padrões destituídos de positividade, relacionados exclusivamente com a consciência do autor aético, sujeitado ao julgamento moral da sociedade. Para estes, a flexibilidade na aplicação das leis sofre o temperamento das circunstâncias, daí a leniência, que é frouxidão e impunidade.

No Brasil, país para lá de leniente, a lei não vale para todos. Especificamente, tem-se a sensação de os políticos estarem acima das leis. Entre eles o pacto é do compadrio. Nos últimos 10 anos – em particular – os piores atentados às leis da República, mormente das que protegem o patrimônio público e pautam o agir das autoridades, não foram considerados delitos graves a atrair para os transgressores a persecução penal e, menos ainda, a execração pública, como era de se esperar. A coisa pública tornou-se “cosa nostra”, deles. Com isso, a corrupção virou endêmica, passando pelos gabinetes das mais altas autoridades políticas e vem descendo até o funcionário da seção de compras, o vereador, os fiscais, a polícia, de modo crescentemente insuportável.

A criminalidade praticada pelos políticos cresce regada pela leniência do sistema e a indiferença do povo. O mantra recitado quando um figurão ou mesmo uma figurinha, como Delúbio, é flagrado com a “mão na botija” é sempre este: “É um escândalo, mais um, armado pela oposição”. A partir desse momento, a questão deixa de ser ética e, portanto jurídica, para tornar-se uma questão político-partidária. A politização partidária da criminalidade leva a três destinos odiosos: a uma, ilude o povo; a duas, para enganá-lo ainda mais, dependendo do caso, “abre-se um rigoroso inquérito para apurar cabalmente os fatos” (e que não acaba nunca); a três, os correligionários cerram fileiras à volta do transgressor e todos os despistes e retóricas são empregados para negar o delito e inocentar, “a priori”, o seu autor. Tudo é feito no melhor estilo “latrino-americano”, com os próceres aliados unidos em malcheiroso despudor ético e sem o mínimo de respeito à opinião pública, chamada até a tomar partido. Se o partido é “de massas”, como o PT, os “companheiros” logo se alvoroçam feito torcida de futebol. O interesse partidário passa a valer mais do que vergonha na cara. Lado outro, os líderes, a começar pelo presidente da República, em casos que tais, deveriam investigar e punir energicamente os correligionários desonestos, atentos à lei e ao dizer dos nossos antepassados: “Diga-me com quem andas, que te direi quem tu és.” Entretanto, ocorre, tem ocorrido, o oposto. Os maiorais se empenham em defender os seus, tenham ou não culpa. É um padrão incivilizado de justiça política, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

É justo o que se passa agora com mais um caso do ministro Palocci. O primeiro foi em Ribeirão Preto, quando era prefeito. O segundo deu-se com o pobre caseiro Francenildo. Agora temos a multiplicação dos pães, segundo os seus detratores, os quais seriam de um grupo rival a fazer “fogo amigo” (e lento, para queimar aos poucos).

Tirante o povo conformado com o refrão “são todos iguais”, as pessoas esclarecidas – caso dos meus leitores – sabem que um político da situação, fora ou dentro do governo, seja no Executivo ou no Legislativo (menos no Judiciário) pode tocar seus negócios, devendo, em termos formais, deles afastar-se como reza a lei, abdicando da direção da empresa. Isso estamos cansados de saber. O que Palocci deve explicar é se houve ou não “tráfico de influência”, a tipificar crime contra a administração pública, punido com pena de reclusão. Para sabermos a verdade sobre a consultoria puramente oral do ex-ministro da Fazenda de Lula, pois não há textos, bastariam duas coisas. A uma, saber se nos contratos há cláusula de sucesso condicional (10% da vantagem em caso de êxito), como a contratação do cliente pelo governo ou por empresas controladas direta ou indiretamente por ele. A duas, o rol dos consulentes. Consultoria se faz e se recebe tão somente! O tráfico de influência exige resultados. Dizer que “cláusulas de confidencialidade” ínsitas nos negócios de Palocci impedem a divulgação dos instrumentos contratuais e da clientela, piora a situação, não convence. Debaixo dessa moita tem coisa. E não cheira bem. O que nos deixa curioso é o porquê de a presidente ter de respirar tanta fedentina, sem assoar o nariz. Seja durona, presidente e faça o que deve ser feito. Mesmo sendo de Minas, V. Exa. não vetou a aptidão da área mineira da Sudene para receber incentivos automotivos? Milhões de brasileiros aguardam uma decisão de V. Exa. “No meio do caminho tem uma pedra”.

Faça seu comentário