Câmara ajuda plano eleitoral de Bolsonaro

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Parte da classe média brasileira adotou, por mimetismo, “criticar a Suprema Corte”, sem mesmo saber o seu papel.

Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Lu Aiko Otta e Lucinda Pinto são jornalistas investigativos. Dizem que a Câmara aprovou, durante votação em 2º turno, destaques da PEC dos Precatórios, mudança da regra de correção do teto de gastos instituído em 2016. O dispositivo limita a expansão dos gastos correntes da União à variação da inflação do ano anterior.

Proposta pelo governo, a alteração abre espaço no Orçamento de R$ 92 bilhões a R$ 94 bilhões para elevação de despesas. “É um abalo sísmico nas regras fiscais”, diz Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado. A proposta altera a principal âncora da política fiscal e foi motivada por interesse eleitoral. “Vai reduzir as perspectivas de crescimento de 2022 por meio do canal dos juros.”

O governo quer usar a folga no teto para, em ano eleitoral, pagar um Auxílio Brasil de R$ 400 até dezembro de 2022. Para isso, reajustaria o benefício do antigo Bolsa Família em cerca de 20% e pagaria um complemento àqueles que ficassem abaixo dos R$ 400. Aprovada por 316 votos — oito acima do mínimo necessário —, a medida precisa passar por mais votações no Senado da República.
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a suspensão da execução dos recursos das chamadas emendas do relator (orçamento secreto), relativas ao orçamento deste ano, até que seja julgado o mérito de três ações que questionam essa prática do Congresso Nacional. O orçamento secreto foi usado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para conseguir apoio de deputados para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/2021, a PEC dos Precatórios. O placar final no plenário do STF ficou em 8 a 2, referendando integralmente a liminar da ministra Rosa Weber, em Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizadas pelo Cidadania, pelo PSB e pelo PSOL.

Conforme a decisão, o Congresso Nacional, a Presidência da República e os ministérios da Casa Civil e da Economia devem tornar públicos, no prazo de 30 dias, os documentos encaminhados aos órgãos e às entidades federais que embasaram as demandas ou resultaram na distribuição de recursos provenientes das emendas do relator-geral (identificadas pela rubrica RP 9) nos orçamentos de 2020 e 2021. A informação deve ficar disponível em plataforma centralizada e de acesso público.

Seguiram o entendimento da relatora a ministra Carmen Lúcia e os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Dias Toffoli. Gilmar Mendes divergiu parcialmente da relatora. Em seu voto, ele propôs a implementação de medidas para possibilitar a transparência da destinação dos recursos, mas não referendou a suspensão da execução orçamentária das emendas do relator. “O congelamento das fases de execução dessas despesas é dramático, principalmente em setores essenciais à população, como saúde e educação”, apontou.

O ministro Nunes Marques reconheceu que o formato atual de execução das emendas ofende os princípios da transparência e da publicidade, mas votou pelo deferimento da liminar unicamente para exortar o Congresso Nacional a fazer, no exercício 2022, o aperfeiçoamento legislativo de tramitação das normas orçamentárias.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber reiterou os termos da liminar, ressaltando que o modelo de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emendas do relator viola o princípio republicano e transgredi-lo fere o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado.

Dessa forma, após aprovadas, elas passam a integrar o orçamento atribuídas ao próprio relator-geral, embora a alocação de despesas resulte, na realidade, de acordos celebrados entre membros do Congresso Nacional.

Outro ponto observado pela ministra foi o aumento expressivo na quantidade de emendas apresentadas pelo relator do orçamento (523%) e no valor das dotações consignadas (379%), apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no julgamento das contas do presidente da República referentes a 2020. Segundo Rosa Weber, os dados revelam o descaso do Congresso Nacional e dos órgãos do Sistema de Orçamento e Administração Financeira do Governo Federal para com os princípios orientadores da administração pública.

Parte da classe média brasileira adotou, por mimetismo, “criticar a Suprema Corte”, sem mesmo saber o seu papel no contexto dos pesos e contrapesos que o Judiciário representa no constitucionalismo americano e também no nosso, por isso que copiamos, ou melhor, adaptamos, por obra de Rui Barbosa, aqueloutro à nossa doutrina constitucional. Lá como cá, adotou-se o “judicial review” ou seja, o regime jurídico-político da Supremacia do Poder Judiciário, que pode, lá como cá, repita-se, declarar, em última instância, a inconstitucionalidade das leis e dos atos administrativos em face da Constituição, da qual a Suprema Corte é guardiã no exercício da sua zeladoria.

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