Brasil e Inglaterra

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Com a morte da senhora Thatcher morre também o neoliberalismo que ela e Reagan implantaram até o dia do estouro de Wall Street e da City Londrina (a crise do subprime).

O Reino Unido, no tempo da rainha Vitória e durante o século 19, foi a potência dominante no mundo. O Império britânico abrangia a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales, a Irlanda do Norte e a região de Gibraltar, muitas ilhas no Caribe, a guiana inglesa no ombro da América do Sul, as Falklands (Malvinas), a África do Sul e um terço da África subsaariana, a Índia, o Paquistão, partes da Malásia, a Birmânia (Miamar), ilhas no Sudeste asiático, as joias econômicas da China, Hong Kong e Xangai, a Nova Zelândia e a Austrália, além de outros domínios, como por exemplo o Canadá, cujo governador -geral até hoje é indicado pela Coroa inglesa.

Albion drenava o dinheiro do mundo para a ilha orgulhosa de ser a maior potência marítima, comercial e industrial do globo no século 19 inteiro. O Brasil era um país agropastoril, rústico, exportador de produtos primários e importador de quase todos os produtos industrializados, desigual, atrasado e escravagista em duplo sentido, explorava a mão de obra escrava e fazia o tráfico negreiro. Os serviços públicos no Brasil, como iluminação, transporte por bondes e trens, mineração, energia, administração de linhas marítimas, além do sistema bancário e do comércio exterior, eram explorados por companhias inglesas.

Quem poderia supor que 120 anos depois, em 2012 (século 21), o PIB do Brasil seria maior do que o britânico ou pelo menos igual? Há semanas, a imprensa noticiava que o PIB do Reino Unido havia ultrapassado levemente o brasileiro, em razão da valorização do dólar. É o chamado “efeito- câmbio”, a aumentar e reduzir o poder econômico das nações, o que não faz sentido, segundo penso.

Em termos do poder de compra da moeda e volumetria produtiva, o cotejo entre o Reino Unido e o Brasil, em 2011 e 2012, em grandes linhas é o seguinte: (a) o PIB do Brasil em 2011 cresceu 2,7%, o do Reino Unido 0,7%, ficando o brasileiro em US$ 2,52 trilhões e o deles em US$ 2,48 trilhões. Em 2012, o Reino Unido teve recessão de 0,2% e o Brasil crescimento de 0,9%; (b) o investimento direto em 2012 (formação de capital fixo em estabelecimentos produtivos) foi de US$ 62 bilhões no Reino Unido (encostado na Europa, parceira preferencial dos EUA e centro do commonwealth) e de US$ 60,8 bilhões no Brasil, no hemisfério sul, longe de tudo; (c) o desemprego no Reino Unido em 2012 atingiu 8,8, contra 4,6% no Brasil. Portanto, não há motivo para a revista The Economist dizer que o Brasil, como se pudesse fazê-lo, está à deriva.

Não estamos no tempo da rainha Vitória ou da humilhação puritanesca de Oscar Wilde, pelo contrário. Esqueçam The Economist, tida como séria, a mais assertiva do mundo. Não é. Ao revés, virou tão sensacionalista quanto os famosos tabloides de escândalos da Inglaterra e padece das influências interesseiras que recentemente vitimaram a grande imprensa inglesa, levando de roldão até a BBC. Aliás, há dois anos o Cristo Redentor nela apareceu como se fosse um foguete. “Brazil takes-off” era a manchete, tão exagerada quanto a atual. Vamos e venhamos, nem o Brasil decolou nem está quebrado. Irresponsável é a revista The Economist, tal e qual o império britânico, a existir com prestígio e poder decrescentes, desde o ápice vitoriano.

Deixemos de lado, contudo, qualquer ufanismo. O Reino Unido é um país igual, democrático e confortável, cuja acidentada história tem mais de 1.300 anos. Nós temos 5 séculos e uma enorme população marginalizada (quatro vezes maior do que a do Reino Unido). Uma coisa é o tamanho do PIB, outra bem diversa a renda per capita de quase 200 milhões de brasileiros. Nosso IDH, ou índice de desenvolvimento humano, está longe do inglês. O povão é que não se dá conta. Desconhece, imediatista que é, a sua real situação. Politicamente acha Lula uma espécie de padre Cícero, mas já começa a despertar. Água mole em partido enganoso bate, bate, até que fura. Um dia de claridade aproxima-se do Brasil.

Como no teatro vitoriano, teremos várias tragicomédias políticas até o momento de mudar de rumo, já aprendidos os erros do passado. A história tem lá suas ironias. Não há razão para nos preocuparmos com a revista britânica e suas fanfarronices, salvo a crítica ao intervencionismo exagerado do governo na economia. Essas críticas procedem e entremostram a importância política relativa do Brasil no mundo contemporâneo. Hoje o mundo respeita o México, o Chile, o Peru, a Colômbia. Nenhum deles é “populista”, “estatista”, “intervencionista”, “socialista”, embora tenham políticas públicas de redução das desigualdades. Nem neoliberalismo nem populismo petista. Ambos estão ultrapassados. Tudo passa. Margareth Thatcher morreu. Outros logo morrerão.

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