Bolsonaro em Israel

Não existem estudos em nenhum lugar do mundo propondo que o nazismo e o fascismo sejam movimentos de esquerda, pelo contrário

Nosso presidente é um homem honesto e franco. Sem dúvida, quer fazer o melhor pelo país embora, até o momento, não tenha apresentado planejamento para seu quadriênio no poder. Três de seus ministros são excelentes. O da Economia, o da Previdência e o da infraestrutura, que está avançando rápido nas privatizações.

Causou-me profundo mal-estar, porém, as falas do presidente a respeito de temas políticos e históricos. O seu ministro das Relações Exteriores, o “estranho”, segundo os colegas, deveria orientá-lo, mas é um desvairado. Isso vem a propósito das chacotas que o presidente do Brasil recebeu na recente viagem a Israel e que repercutiu lá intensamente e, espero, menos noutros lugares do Oriente Médio e Europa, sobre ser o nazismo um movimento comunista.

Bolsonaro em Israel

Colhe-se do texto de Cristiano Dias e Célia Froufe, presentes em Jerusalém (Estadão, de 3 de abril): “No Museu do Holocausto, o presidente Jair Bolsonaro insistiu em dizer que o nazismo é de esquerda, uma tese encampada por seu chanceler, Ernesto Araújo… Não há dúvida. Partido Socialista… Como é que é? Partido Nacional Socialista da Alemanha, respondeu o presidente questionado se concordava com seu ministro”.

No salão ao lado, minutos depois, o chanceler brasileiro voltou a defender a tese. “Nesses últimos dias têm surgido várias publicações e artigos que procuram identificar isso, estudar sob a perspectiva que eu procurei apontar de ver semelhanças entre movimentos nazistas da Europa da metade do século 20 e movimentos de extrema esquerda”, disse Araújo.

Historiadores israelenses, consultados, ficaram surpresos com as declarações de Bolsonaro e de seu chanceler. O próprio museu, em seu site, afirma que o partido nazista era um entre vários “grupos radicais de direita” na Alemanha. Uzi Rabi, diretor do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv, demorou para entender. “Eu nunca ouvi isso antes. Não sei do que eles estão falando.”

O brasileiro Avraham Milgram, que vive em Israel e foi pesquisador do Museu do Holocausto, também estranhou, mas atribuiu a discussão à política brasileira. “Esta teoria não tem base histórica nenhuma. Acho que tem mais a ver com o presente do que com o passado. Para os nazistas, a ideia de raça era muito mais forte do que a política.”

O vice-presidente, Hamilton Mourão, sinalizou divergência. “De esquerda é o comunismo. Não resta a menor dúvida”, disse. Diante de novos questionamentos, Mourão afirmou que nazismo e comunismo estão em lados opostos: “Critico esquerda e direita. Acho que esquerda é quando o Estado intervém mais na vida das pessoas, diferente de ser autoritário, isso é ser esquerda. E direita é você dar mais liberdade aos empreendedores, ter mais liberdade para poder estabelecer seus negócios, propriedade privada. Isso é o que eu acho de direita e de esquerda. Nazismo e comunismo são duas faces de uma moeda só, o totalitarismo”. Menos mal!

O versículo de João 8:32 foi citado pelo menos três vezes por Bolsonaro durante a viagem a Israel. Ele já havia se referido à passagem em discurso improvisado no Museu do Holocausto. Esse versículo é o seu bordão favorito. Serve em qualquer situação.

“Ao voltar à Terra Santa, deixo duas mensagens. João 8:32, “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E a outra é uma frase minha”, disse Bolsonaro. “Aquele que esquece o seu passado está condenado a não ter futuro”, uma variação emprestada do original do ensaísta espanhol Santayana: “Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”.

Duas aberrações. A primeira é que, como dizem os franceses, “há a coisa e há o nome”. O partido de Hitler trazer no nome a palavra socialista não o transforma em socialista. Os mais perseguidos e mortos pelos nazistas foram justamente os judeus e os comunistas alemães e dos países invadidos. O nosso presidente valeu-se do “nominalismo” para justificar-se.

Quanto ao estranho ministro das Relações Exteriores, a justificação foi pior. Utilizou-se do argumento de “terceiras pessoas” e “outros estudos”. Pois bem, não existem estudos em nenhum lugar do mundo propondo que o nazismo e o fascismo sejam movimentos de esquerda, pelo contrário.

É o regime da propriedade que diferencia o capitalismo do socialismo. No primeiro, os meios de produção são de propriedade privada. No segundo, os meios de produção são do Estado, que pretende ser o representante das pessoas. Isso é elementar. O nazismo dizimou judeus e comunistas, embora vencido pela Rússia à leste.

Para culminar na terra do Deus único Javé, nosso presidente, fiel ao catolicismo do Deus Trino (Pai, Filho e Espírito Santo) deu de citar o seu bordão de sempre, ou seja, a famosa frase de João: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Os judeus não reconhecem o Novo Testamento nem o Evangelho de João. Seguem Javé e somente a Torá.

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