A vitória alemã

Os campeões da Copa do Mundo de 2014. Foto: Agência Brasil

Os campeões da Copa do Mundo de 2014. Foto: Agência Brasil

Como último eco da Copa, estejamos certos de que o futebol não é uma caixinha de surpresas. Se procurarmos bem, sem paixão, o melhor sempre vence. Vejamos o final da Copa. Kroos e Müller destroçaram a retaguarda abestalhada do Brasil. Sabella, o técnico da Argentina, viu tudo e tirou suas conclusões. Reconheceu a superioridade tática do adversário e procurou vencê-lo na retranca e nos contra-ataques, contando com Messi e Higuaín. Disciplinados, os argentinos cumpriram as instruções ao pé da letra e só não venceram pela incompetência de Higuaín (um chute) e o azar de Messi (outro chute), ambos raspando a trave, com o goleiro alemão fora do posicionamento ideal.

Mascherano foi o maestro do time argentino. Mereceu, com o incansável Schweinsteiger e o ganense naturalizado alemão Boateng, o título de melhor em campo. Boateng parou o Messi sem violência alguma. É da estirpe de Newton Santos. Desarma na marcação, a arte da antecipação, da travada e da tomada de bola.

Pelos números da Fifa, a Alemanha teve a posse da bola 60% do tempo e executou impressionantes 64 ataques, contra 27 da Argentina. Isso posto, os teutões tiveram quase três vezes mais oportunidades de criar jogadas de gol. Então por que não golearam? Pela retranca argentina, que só permitiu 7 chutes a gol com reais chances de vazar o valente goleiro dos hermanos. A Argentina, portanto, cedeu espaço aos alemães e se protegeu, colocou a defesa e o seu meio de campo à altura de sua intermediária, com sete, às vezes oito jogadores. Equivale a dizer que três quartos do campo estiveram sob a soberania alemã.

A Argentina, coisa que o Brasil não fez nem saberia fazer, confiava exclusivamente nos contra-ataques, que não ocorriam. Basta dizer que no 1º tempo do jogo, a seleção sul-americana deu apenas um chute em direção ao gol, assim mesmo porque Kroos, num momento de brasilidade, à moda do raçudo, mas esquentado David Luiz, cabeceou para trás sem ver Higuaín, frente a frente com um atônito Neuer. O argentino de cabelinho arrumado e sobrancelhas feitas errou o chute ridiculamente. Gol feito, gol perdido, fazer o quê? O ponteiro do relógio marcava 21 minutos de jogo.

No segundo tempo, tivemos aquela investida do Messi, a passinhos curtos, e um chutaço com força, na transversal, raspando a trave. Tentou e errou. A Argentina ficava no zero, mas fechava a grande área. Quem sabe na prorrogação a sorte lhes sorriria, depois de tanto sufoco? Ou Francisco lá em Roma os faria vencer nos pênaltis? Diga-se de passagem, não vi nenhum alemão rezando, fazendo preces, se persignando ou elevando os olhos para o céu. Futebol não é coisa de santo, senão um lúdico jogo de homens, correndo em campo como crianças. O que fizeram depois da vitória foi imitar a dança ritual do desejo de ganhar dos índios pataxós, uma homenagem aos simpáticos silvícolas da região onde primeiro chegaram os portugueses e onde rezaram a primeira missa, em Santa Cruz Cabrália. Uns simpáticos meninões esses alemães, animados e brincalhões, porém sérios na hora de jogar, como convém!

Em Berlim, encantados com e pelos pataxós, subiram em carro aberto, um atrás do outro, com a mão sobre o ombro do que lhe ia à frente, como os índios fazem, a simbolizar (que simbiose) um espírito de equipe quase tribal. O mesmo faziam os jogadores brasileiros, mas sem treino eficaz. Mais uma vez agradeceram o apoio do simpático povo brasileiro, especialmente dos expansivos moradores de Porto Seguro. Havia um cartaz no carro dos alemães com os dizeres: “Obrigado, Brasil, pela Copa maravilhosa”.

Em Berlim, fizeram uma humilhação aos gaúchos, como se intitulam, às vezes, os argentinos, andando estranhamente vergados, para logo dizerem: “Somos alemães, caminhamos erguidos”. O jornal Olé de Buenos Aires sentiu o golpe, perdeu o bom humor (com que satirizavam os brasileiros) e os acusou de racistas. Achei de mau gosto equiparar os argentinos a homens-macacos. Merece repúdio. Se a intenção foi essa, ficaram no mesmo plano dos argentinos que nos chamam de “macaquitos” e se autoproclamam os europeus da América Latina.

Os argentinos não entraram em campo vergados; nós entramos convencidos, como sói acontecer neste país sem autocrítica e responsabilidade (levamos de 7 x 1). Contudo, somos simpáticos, ao contrário dos hermanos, difíceis de serem estimados. Qual a razão? Arrogância? Desrespeito aos outros? Seja lá como for, o orgulho alemão é sempre perigoso. O grito nacionalista “Alemanha acima de tudo” (Deutschlandüberalles) gerou o holocausto, esse, sim, um ato que envergonhará o povo alemão por toda a eternidade. Melhor o “ubuntu” sul-africano. “O homem só é homem quando se reconhece no outro homem.” Por isso mesmo o massacre indiscriminado de crianças e civis em Gaza revolta a humanidade. Somos uma só irmandade no planeta terra. Não podemos esquecer!

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