A terceira via

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

A CF/88 tem mais de 100 linhas. Ao fim, está incluído nela respeitar o resultado das urnas, sem planos e artifícios para melar o processo

Existe, não é invenção, ensaio nacional pela terceira via ou candidatura alternativa à presidência. Em tempos normais, a terceira via democrática, dinâmica, qual seja a do PSDB, com arraigado apego ao centro, seria liderada pelo governador Doria, que fez São Paulo crescer 7,2% durante sua gestão brilhante. Colocou 88% das crianças em idade escolar no ensino básico, pois educar todos é fazer aparecer a igualdade, sem programas assistencialistas, tão comuns.

A letalidade da Polícia Militar paulista, com os botões de autofilmagem, reduziu-se em todas as suas modalidades em 80%, e a criminalidade reduziu-se dramaticamente (toda tipologia criminal).

Entretanto, sua candidatura, por ser Doria da elite paulista, não empolgou o mundo político pelas manobras de Aécio Neves e ACM Neto, deixando órfão o país, ao menos até agora. Estamos presos na dicotomia desgraçada, antidemocrática, sem meta real exequível, entre dois “ismos”, típicos de países atrasados: “lulismo” e “bolsonarismo”.

Os eleitores seguem homens, como as sociedades tribais antigas, e não ideias, programas e propósitos, determinantes do crescimento político das candidaturas e programas econômicos e sociais, dentro do espaço democrático, como ocorre nos EUA e na Europa ocidental, onde prevalecem programas e partidos, sem culto à personalidade dos candidatos.

Vivemos, depois da ditadura varguista, um breve período democrático com Dutra (militar), Getúlio eleito e Juscelino – este de um dinamismo democrático sem par, anistiando os baderneiros da aeronáutica (Aragarças e Jacareacanga), vivaz na economia.

Determinou, com o seu plano de metas, o progresso das indústrias nacionais, engajadas no tripé produção, energia e transportes, fazendo surgir por toda parte estradas, represas e torres de energia elétrica.

Esse período – sem reeleição – teve o aval do general Lott, garante do governo de Juscelino. Dá-se que sucedeu ao mineiro hábil, democrático e trabalhador, um homem astucioso e pretensiosamente do povo, cujo símbolo era uma vassoura para limpar o governo, Congresso e a Nação de todo tipo de sujeira e corrupção, discurso do agrado das classes médias, que bem gostam de mamatas políticas (e seus clãs políticos no interior). Seu nome era Jânio Quadros, egresso da política paulista com apoio da UDN.

Sua demagogia deu em nada. Alegando “forças ocultas” jamais reveladas por ele, Carlos Lacerda ou a UDN, eis que não as havia, renunciou seis meses após sua estrondosa eleição. Seu vice era do PTB, do RS e varguista. A UDN, os direitistas e os militares se opuseram à posse do vice.

Tancredo Neves pacificou o país instaurando entre nós o parlamentarismo com maioria parlamentar do PSD de Juscelino e do PTB (trabalhismo) de João Goulart (Jango).

Foram três primeiros-ministros apenas: Tancredo Neves, Brochado da Rocha e o grande e brilhante Santiago Dantas, jurista de nomeada. Ao fim desses gabinetes de governo parlamentarista, plebiscito nacional indicado pela maioria de Jango no Congresso reimplantou o presidencialismo, com ele na Presidência da República, o que gerou movimentos subversivos de civis (parte da UDN ativista) e militares (a parcela ativista, por isso, secreta) no sentido de depor o governo constitucional.

O intento obtive êxito. Houve um levante militar em Minas, com o apoio incondicional do governador Magalhães Pinto. O estado de rebelião instalou-se na vila militar, no Rio, e no Exército com sede em São Paulo (general Amaury Kruel). No RS, entretanto, o Exército pegou em armas contra o golpe de estado!

Mas Jango, em nome da paz, suplicou ao cunhado Leonel Brizola que descesse as armas, o que aconteceu mediante negociações que preservaram o RS e o político Brizola, que saiu do país para a Europa. Jango se exilou no Uruguai, onde possuía uma fazenda de gado.

Depois disso, do levante militar de 1964, dia 31 de março, vivemos sob um regime militar em que o presidente e governadores eram indicados por um comitê do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, referendados pelos Legislativos (no fundo, era o presidente quem elegia seu sucessor). Tivemos, então, os generais-presidentes Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Os mandatos após Costa e Silva eram de seis anos. Governaram 21 anos (de 1964 a 1985), houve perseguição política, cassação de mandatos e direitos, prisões e torturas. A gestão econômica foi satisfatória, com altos e baixos.

Cabe agora e tampouco as Forças Armadas querem evitar qualquer coisa semelhante, ainda mais sob o comando insano de Bolsonaro. Ele tem que jogar, como diz, nas quatro linhas da Constituição.

A CF/88 tem mais de 100 linhas. Ao fim, está incluído nela respeitar o resultado das urnas, sem planos e artifícios para melar o processo, o que está em seus desígnios, daí sua campanha contra as urnas eletrônicas. Resistiremos. Outros são os tempos.

Quem viver verá. Os fascismos à moda de Le Pen ou de Zelenski não passarão.

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