A Otan contra a Rússia – Interpretação incomum

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

EUA e Rússia trazem em seus signos nacionais a águia. Uma olha o Ocidente, que já invadiu duas vezes (Napoleão e Hitler), a outra cabeça mira o Oriente.

A Rússia venceu duas guerras mundiais. Na primeira, foi instaurado o socialismo dos sovietes, na esteira dos ensinamentos dos alemães Karl Marx e Engels (“A origem da família, do Estado e da propriedade privada”). Para tanto, uma guerra civil estendeu-se até 1921, quando o lado socialista, superando Kerensky, implantou de vez o socialismo na Rússia, a mesma que esmagou Napoleão pela porta ucraniana, imensa planície. Napoleão entrou com 742 mil homens. Voltou a Paris com pouco mais de 6 mil debilitados combatentes. Foi a senha para a Inglaterra vencê-lo em Waterloo.

O mesmo ocorreu com Hitler e seus panzers (supertanques). No mesmo estilo entrou pela Ucrânia! Perdeu três milhões de soldados (70% dos seus exércitos nazis) depois de contemplar Moscou.

O fato de a Ucrânia ser atraída pela UEE e Zelensky ter sido eleito com um discurso pró-Otan e antirrusso despertou o inconsciente coletivo da nação, que há 10 anos pedia por escrito que a Otan ou organização militar do Tratado do Atlântico Norte, criada para enfrentar a URSS, se mantivesse como era, ou seja, sem cooptar países do Leste Europeu.

A Rússia, embora esteja hoje praticando o capitalismo e investindo em tecnologias de ponta, nos leva à geopolítica contra o eixo Rússia-China, inútil desfazer esse laço, fruto da história.

Dá-se que a Rússia, por ser uma potência nuclear com tantas ogivas atômicas quanto os EUA nos seus silos árticos, no topo do mundo, e nos submarinos nucleares nos sete mares, é necessariamente temida e respeitada. Não é um Iraque, que viu sua Bagdá de 8 mil anos ser bombardeada sem dó nem piedade por Bush, com 10 mil mortes ao argumento de ter armas químicas inexistentes, como se viu depois da invasão americana. A Otan, ou organização militar do Tratado da Atlântico Norte (EUA e Europa Ocidental), já deveria ter acabado, criada para defender-se da União Soviética, que nem sequer existe mais… O que existe é Rússia (potência espacial e nuclear).

Os EUA aprenderam que guerras fora do seu território geram ganhos, embora já tenham perdido três (Vietnã, Iraque e Afeganistão). Fizeram destruições, não deixaram democracias. Ao contrário, deixaram ódio, por gerações, em suas intervenções.

A humilhação de Moscou na guerra russo-japonesa de 1904-1905 ajudou os soviets de Lenin. A derrota na Primeira Guerra Mundial criou as condições para a Revolução Russa em 1917, derrocando o regime monárquico. A Guerra da Crimeia, contra as potências da Europa de 1853-1856, levou à morte, possivelmente por suicídio, do czar Nicolau I. Mais recentemente, a guerra desgastante no Afeganistão contribuiu de forma substancial para o colapso da União Soviética (URSS). Gideon Rachman, do Financial Times, diz que Vladimir Putin é um estudioso apaixonado da história russa. No ano passado, ele publicou um longo ensaio, “Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos”. Em suas reflexões históricas, ele deixou um padrão recorrente fundamental: o papel que o fracasso em guerras teve nas mudanças de regime na Rússia. E não apenas regimes, mas governantes, e, por isso, essa guerra não a perderá Putin.

O responsável é Zelensky, trazendo destruição ao seu país. Esperava que a Otan entrasse na guerra. Erro de cálculo fatal, geopolítico e econômico.

A resposta russa, porém, tem sido desproporcional, como os EEUU no Iraque. Numa só noite em Bagdá se foram mais de 10 mil civis. O invasor, no caso, eram os Estados Unidos da América. Certamente, na Ucrânia, a morte de civis não chegará a 8 mil almas (guerra de 60 dias). O tempo favoreceu a Ucrânia e seus discursos. Mas nada justifica a brutal intervenção russa.

A Rússia não quer ocupar a Ucrânia. São vários os seus objetivos. A um, desmantelar os laboratórios de armas microbiológicas existentes na Ucrânia. A duas, obter o reconhecimento das repúblicas do Leste (russas) em guerra desde 2014. A três, considerar, com acréscimos territoriais, sua presença naval no Mar Negro, com a exclusão da Ucrânia, se essa entrar para a Otan. Condição também para as negociações para o fim da guerra! O avanço da Otan no Leste Europeu é mesmo o motivo desse conflito.

Biden, como um velho ensandecido, deu de xingar Putin, sendo contido, quando possível, pelos colegas europeus, por isso que guerra, paz, tratados e combinações, longe de ser questões pessoais, religiosas ou de racismo, exigem cabeça fria e racionalidade. Parece que estão confirmados os ditos americanos: “Os democratas iniciam guerras e os republicanos assinam os tratados de paz”.

EUA e Rússia trazem em seus signos nacionais a águia. Os EUA cultivam a águia iracunda de unhas e bico poderosos. A Rússia adota a águia de duas cabeças. Uma olha o Ocidente, que já invadiu duas vezes (Napoleão e Hitler), a outra cabeça mira o Oriente, até onde a vista pode alcançar. Nostradamus diz que quando voarem juntas a Terra terá uma paz de milênios. Não agora, decerto!…

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