Sacha Calmon
Por sorte, pouco depois da restauração, os colonos portugueses no Brasil se revoltaram contra os governantes coloniais holandeses, os expulsaram e assumiram eles próprios o poder. Em breve, começaram a enviar tabaco para Lisboa, desde o recôncavo da Bahia, em quantidades que chegaram a atingir a média anual de 28 barcos. Em 1680, o imposto sobre o tabaco tinha-se tornado a grande fonte de rendimento da família Bragança, já que, tanto a importação como a exportação constituíam monopólio do Estado, com uma margem comercial para a Coroa, na ordem dos 20%. A lavoura expandiu-se por todo o Nordeste brasileiro. O tabaco assolou a Europa. Enquanto os mercadores londrinos forniam o Norte da Europa, com tabaco plantado por cultivadores ingleses na Virgínia, os mercadores de Lisboa vendiam o tabaco do Nordeste do Brasil à Espanha, Itália e França. Foi comercializado, não como um hábito social agradável, ou até mesmo como um prazer, mas como uma droga que provocava uma sensação inebriante no cérebro. O modo de utilização preferida era em pó (rapé), sendo apertado entre o polegar e o dedo indicador e aspirado através das narinas. A membrana das narinas introduzia a nicotina diretamente no circuito sanguíneo, que o conduzia ao cérebro no espaço de sete a nove segundos.
Seguiu-se a esse evento comercial, a primeira grande corrida ao ouro em toda a América, século e meio antes dos Estados Unidos. Os europeus começaram a fazer viagens para o interior do Brasil. Aos brasileiros de descendência portuguesa juntaram-se uns milhares, que, de barco iam chegando de Lisboa. O destino era o território das Minas Gerais. Caboclos foram escravizados e postos a trabalhar como garimpeiros em todos os cursos de água existentes. Escravos da Bahia e africanos afluíram em seguida, trazidos de regiões com experiência de mineração. Uma série de acampamentos foi surgindo ao longo dos rios, dando rapidamente origem a três grandiosas cidades. Existem poucos registros escritos desta epopeia de ganância em Portugal, porque a maior parte dos que dela participaram eram analfabetos. A Guerra dos Emboabas, por exemplo, deu-se entre os mamelucos paulistas e os ádvenas portugueses, baianos e nordestinos que a venceram, para azar dos bandeirantes descobridores do ouro e diamantes, os primeiros “mineiros”. A maioria dos europeus encontrou, realmente, o que os havia levado a partir. E ficaram em Minas, como fazendeiros e comerciantes, após o declínio da mineração.
Foi assim que o ouro do Brasil chegou a Portugal tarde demais, já sob os reis da dinastia dos Bragança. O ouro brasileiro não enriqueceu Portugal, levou-o a exaustão, pelo intenso despovoamento, a ponto de El Rei baixar ordens proibindo aos portugueses a ida para a colônia.
Entre 1580 e 1640, Portugal inexistira como país, pois fôra, como vimos, absorvido pela Espanha. O reino se despovoou com a corrida do ouro (600 mil vieram para o Brasil durante o processo). A partir de 1680, a Holanda, potência comercial dominante, iniciou na Ásia as “companhias coloniais”, exercendo soberania territorial, suplantando os portugueses apenas comerciantes. A Inglaterra, nação-pirata, fez a revolução industrial (melhor produzir riquezas vendáveis do que roubar as riquezas alheias). Começam os “tempos modernos”. Pois bem, os setecentos foi o século do tráfico e da mineração, do comércio com as colônias na África, Ásia e Brasil e também do terremoto de Lisboa e de Marquês de Pombal. Ao começar os anos oitocentos dá-se a “inversão colonial”, com a chegada da Corte portuguesa. O Rio de Janeiro vira a capital do império e Portugal passa a ser governado daqui, por D. João VI. O Brasil ascende à posição de Reino Unido a Portugal e Algarve. O resto já sabemos.
Aqui terminam as vicissitudes europeias dos nossos ancestrais portugueses, que nos legaram uma bela língua e um imenso território. É um erro achar que Portugal foi grande graças ao nosso ouro. Muito pelo contrário. Portugal foi grandioso até o desastre do Rei D. Sebastião no Marrocos e a perda de sua soberania para a Espanha, logo após. Quando o tabaco e o ouro do Brasil chegaram a Portugal, o reino conseguiu honrosa sobrevida comercial. No século XXI, entretanto, vemos o país avoengo integrado numa Europa progressista, que as dinastias de Borgonha e de Avis começaram a construir nos primórdios, como pioneiros das grandes navegações oceânicas, por “mares nunca dantes navegados”.
A navegação transoceânica, de fato, é um feito português, daí o poema de desconhecido bardo lusitano citado por Paulo Mattoso: “Foi de nós que o mar primeiro ouviu as expressões brutais da língua humana contra o som bravio dos fortes temporais. E falamos tanto, tanta vez, que se pudesse o mar articular a voz, o mar falava Português. Falava como nós!”
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