Sacha Calmon
À D. João II deve-se a empresa Transoceânica, mas ele não chegou a vê-la em seu esplendor. D. Manuel, o Venturoso, viveu o apogeu do império português – marítimo e mercantil – que durou cerca de 50 anos. Nesse período, não apenas de riqueza e comércio, mas de poderio naval, comercial e militar, nenhuma nação da Europa ou da Ásia se comparou a Portugal, sequer a Espanha, entretida com suas conquistas no continente americano, supondo estar em algum lugar da Ásia remota, erro induzido pelos desvarios de Colombo.
Tudo começara por volta de 1437 em progressivas incursões às costas africanas, a trazer escravos negociados com os sobas africanos. O Forte da Mina, até hoje existente, foi pré-fabricado em pedra, em Portugal, e reconstruído na África para garantir o lucrativo comércio de pimentas, temperos, escravos e ouro (principalmente de Gana).
Portugal desenvolvera a navegação em alto-mar (para lá do Bojador), com ajuda da bússola, dos portulanos e do astrolábio, a permitir o conhecimento das latitudes a partir da estrela polar e a hora (medindo o curso do Sol). Depois, o grande Rei D. João II preparou a descoberta do caminho marítimo para as Índias, tornando o Mediterrâneo, desde o Egito antigo o mar da Europa, uma zona comercialmente decrépita, arruinando as cidades italianas e o comércio árabe e persa com a Índia.
Portugal, dessarte, promoveu a primeira onda de globalização comercial da história, unindo quatro continentes: Europa, África, América e Ásia. E durante 50 anos comandou sozinho um vasto império de negócios, que enriqueceu a Coroa e os negociantes do país. D. João II morreu em 1495. Ascendeu ao trono seu primo D. Manuel, o Venturoso. Em 1497 Vasco da Gama largara de Lisboa e discutiu em Calicute com o Senhor dos Oceanos, ampliando o império português, entre intrigas e bombardeios. Anos mais tarde, como vice-rei da Índia, tinha o direito de cobrar alugueres sobre a estadia de navios nas costas indianas. Segundo Martin Page, nosso guia, o que o dinheiro podia comprar, Lisboa comprava. Banqueiros, mercadores, donos de butiques, joalheiros, modistas, alfaiates, chapeleiros e sapateiros vieram da Bélgica, Inglaterra, França, Alemanha e Itália, em busca da nova e já lendária riqueza. A nova nobreza percorria a cidade em carruagens ornamentadas. O próprio Rei deslocava-se pela capital numa procissão seguida por quatro elefantes, que tinham sido amestrados para entreter as multidões. D. Manuel mandou reconstruir o grande mosteiro dos Cavaleiros Templários, em Tomar, juntamente com a construção da notável igreja de três naves, em Setúbal, e do Panteão da sua dinastia no Mosteiro da Batalha. Em Belém, junto do palácio, mandara edificar uma torre, onde, então, era o meio do rio, em comemoração da primeira viagem de Vasco da Gama. Por detrás do palácio, do outro lado de um amplo jardim, mandou construir o Mosteiro dos Jerónimos. Este santuário nacional continua a ser um dos mais notáveis edifícios do sul da Europa.
O dinheiro continuou a afluir. A contabilidade da Casa da Índia passou a ocupar o rés-do-chão do palácio real. De acordo com o cronista real, eram vistos mercadores estrangeiros com sacos de ouro, a fim de comprarem especiarias. D. Manuel – muito diferente de D. João II – não teve a percepção deste último de usar a riqueza do império português para implantar “companhias de colonização” antes que os holandeses o fizessem. Os Médicis continuavam a ser os principais banqueiros da família real. Em Roma, Giovanni de Médici, filho de Lourenço, o Magnífico, foi eleito Papa e sagrado com o nome de Leão X. O banqueiro do Rei D. Manuel tinha se tornado o líder espiritual dos católicos, não só na Europa, mas também na África portuguesa, Ásia e América. Giovanni tinha 37 anos e ainda não havia sido ordenado padre, uma omissão que foi corrigida algumas semanas mais tarde…
O Rei D. Manuel, o Esbanjador, morreu vítima de febre, pouco antes do Natal de 1521, com 52 anos. Tendo chegado ao trono como “Rei de Portugal e dos Algarves e da navegação em África”; morreu como “Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além – Mar, em África, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia”.
Durante o seu reinado, os portugueses foram muito admirados, mas também invejados, pelos holandeses, ingleses, franceses e, acima de tudo, pelos espanhóis. Morto o monarca ,puseram-se à espreita para ver qual seria o destino de Portugal e, sobretudo, do seu império, criado por D. João II, sábio e planejador. Em seu apogeu, o ultramar abarcava as ilhas dos Açores, a Madeira, Cabo Verde e ilha do Sal, Guiné, Angola, Moçambique, Goa, Gamão, Diu (Índia), Macau (China), Nagasaki (Japão), o Timor e a costa atlântica da América, com seus índios bravios e nenhuma riqueza visível, salvo o pau-de-tinta braseado que deu nome ao Brasil.
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