Sacha Calmon
Depois das ágeis e velozes caravelas havia agora o “barco redondo”, com capacidade de seiscentas toneladas. A ponte fôra colocada para detrás da proa. À ré, no convés superior, foram instalados os canhões de carregar pela culatra, de tiro rápido e trajetória na horizontal (devastadores), de tal modo que ninguém se atrevia a enfrentar as naus portuguesas. Não podiam ser visitadas, e em situação difícil os comandantes afundavam os navios.
Vasco da Gama chegou a Calecute e fez descer dois condenados que falavam genovês. Intérpretes do Senhor de Calecute, que se intitulava o Senhor dos Oceanos, perguntaram se eram enviados do Rei de Veneza. “Viemos em paz, em busca de especiarias para comerciar; somos súditos do Rei de Portugal”. O Samorim estava em seu palácio de verão; movido pela curiosidade, veio a Calecute. Vasco mandou-lhe doze rolos de algodão listrado, fios de coral, caixas de açúcar e barris de azeite e mel. O mordomo de Calecute riu-se e considerou os presentes “ridículos”. Diplomaticamente, Vasco disse que eram seus e não do Rei de Portugal.
Seis meses depois, Pedro Álvares Cabral, já assinado o Tratado de Tordesilhas, largou de Lisboa no comando de uma frota de treze navios, com 1200 homens e mantimentos suficientes para dezoito meses. A tripulação era constituída por marinheiros, soldados, artesões e criminosos em liberdade condicional, além de herbanários, barbeiros-cirurgiões, médicos, nove sacerdotes e um mestre em cosmografia. A caminho da Índia, Cabral fez uma parada na costa do Brasil. O relato oficial é de que os ventos o tiraram da rota e que, descoberto o Brasil, o reclamou para Portugal. Puro despiste. O pau-brasil vinha da África para Lisboa às escondidas. Antes do Tratado éramos segredo de Estado.
Chegou a Calecute em setembro de 1500. Levava presentes: prata, tigelas e clavas embutidas em ouro, tapetes de seda e tapeçarias finas, tendo recebido autorização para comerciar. Mas foram impedidos pelos mercadores muçulmanos. Cabral replicou, capturando um dos seus navios. Os muçulmanos atacaram o entreposto português matando 50 homens. Cabral capturou dois barcos árabes que estavam no porto e matou todos os tripulantes. As expedições que se seguiram, de Portugal para a Índia, tiveram crescente cariz militar. No percurso para Coxim, onde iam comerciar, tornou-se rotina parar em Calecute, a fim de bombardear a cidade e incendiar os navios que se encontravam no porto aberto, sem fortes de guarnição. Francisco de Almeida chegou a Coxim em 1502, sendo o primeiro europeu a quem foi dado o título de vice-rei da Índia. Ganhou decisivas batalhas navais contra os árabes. Os portugueses não mais foram desafiados no oceano Índico. Aperceberam-se que, para tirar o comércio das especiarias aos árabes e aos venezianos, precisariam de uma base segura: Goa, uma ilha separada do continente por um rio, governada por comerciantes de cavalos árabes. Lá, Afonso de Albuquerque criou a primeira cidade europeia na Ásia, em lugar da que ele próprio havia destruído a canhão, fixando aí a sua residência. Aos poucos, tomou todos os entrepostos comerciais asiáticos, e Mendes Pinto chegou à China, à Tailândia, à Coreia e ao Japão.
O Senhor dos Oceanos, após sucessivos bombardeamentos de Calecute, pediu paz. Os mercadores muçulmanos foram à Malaca, ao sul. Impossibilitados de subirem da África Oriental ou da Índia Ocidental, controladas pelos portugueses, formavam comboios de navios nas ilhas Maldivas e, de seguida, deslocavam-se tão depressa quanto possível para o norte, em direção ao Mar Vermelho, rezando para não encontrar pelo caminho navios de guerra portugueses. Tristão da Cunha foi enviado de Lisboa, com uma larga frota, para Socotorá, à entrada do Mar Vermelho, onde os portugueses construíram um Forte que dominava os estreitos. Os árabes, então, conduziram os seus barcos para o porto de Ormuz, no sul da Pérsia. Poderiam enviar as especiarias e outros produtos em caravanas de camelos até a costa oriental do Mar Negro, de onde seriam levados em barcos turcos até Istambul e vendidos aos venezianos. Albuquerque perseguiu-os até Ormuz, no início de 1514. Mas só agiram ao escurecer, surpreendendo os habitantes com trombetas e rajadas de canhão. Enviou uma mensagem ao monarca, exigindo-lhe a soberania portuguesa sobre a cidade. Sem resposta, os portugueses incendiaram todos os navios árabes e persas que se encontravam no porto e construíram um Forte. Estava completo o domínio marítimo português no Índico.
Quanto a Mendes Pinto, Rebecca Catz, professora de História Moderna da Universidade da Califórnia, levou a cabo um reexame minucioso dos seus relatos e considerou que correspondem a realidades históricas. Vi pessoalmente o porto que Mendes Pinto construiu em Bancoc, rio acima. E ninguém hoje dúvida que foi ele que indicou o lugar onde os portugueses construíram o porto de Nagasaki no Japão. Reinava D. Manoel, o Venturoso.
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