Sacha Calmon
É consabido que, no tempo dos reis e de suas dinastias, os casamentos eram atos de alta diplomacia, política de Estado. O amor romântico ainda estava por nascer na Provence (Provença), junto com o perfume. Por toda antiguidade, na Grécia, na Pérsia, na China, nas Arábias ou entre os hebreus, a mulher era simples objeto de desejo do homem. Alojada na família, era uma submissa procriadora. Na Grécia ficava confinada no “gineceu”. Por toda parte tinha a função de cuidar da prole, pouco importando o regime matrimonial, monogâmico ou poligâmico. Às rainhas cabia fornecer herdeiros reais, de preferência homens. Por isso mesmo os “contos” de amor encantavam por toda parte. A literatura romântica faz sucesso, mas surgiu tardiamente. O romance de Pedro I e Inês de Castro, ao contrário, é um caso de amor real e trágico como o literário caso de Helena de Tróia. Portugal não era para ter existido. Dentre todos os reinos cristãos e califados muçulmanos da península ibérica, apenas o luso reino, que desde Viriato lutara contra os romanos, desgarrou-se da hegemonia de Castela, que mais tarde se tornaria a Espanha. O pequeno reino vivia entre as constantes ameaças castelhanas à sua existência e a vontade férrea de existir. Fora um condado, do Minho ao Douro, ao tempo de D. Henrique de Borgonha. Mas seu filho Afonso Henriques declarou-se Rei no século XII e expandiu o reino para o sul. É nesse contexto que o tórrido romance entre Pedro, príncipe português, e Inês de Castro, de estirpe galega, dama da Corte e aia de D. Constanza, sua mulher, deve ser compreendida, ou seja, Portugal a sofrer o assédio constante de Castela. Nem Romeu e Julieta, nem Tristão e Isolda, nem Abelardo e Heloisa, se lhe comparam nesse turbilhão de almas envoltas pelas paixões do amor, do poder, do ódio, da vingança, da poesia e da solidão. Afonso IV, pai do príncipe, ao vê-lo perdidamente apaixonado por Inês de Castro, mandou-a para o Castelo de Albuquerque, distante de Coimbra, então a Capital, o que não impediu a relação entre eles.
Em 1349 morre Constanza, e Pedro traz Inês de volta a Coimbra contra a vontade do pai (temeroso de que seus irmãos levassem o futuro Rei a apoiar os galegos contra o Rei de Castela). Três nobres portugueses pedem autorização a Afonso IV para degolar Inês, numa ocasião em que o príncipe estaria a caçar nas montanhas. O cruel assassinato ocorreu no dia 07/01/1355. Dá-se que Pedro casara-se secretamente com Inês e tiveram filhos: Afonso, precocemente falecido; João, Dinis e Beatriz. Ao inteirar-se do fato, Pedro rebela-se contra o pai e desencadeia uma guerra civil, com o apoio velado dos cunhados da Galícia. Mas Afonso IV morre, não sem antes, por insistência da Rainha-mãe, celebrar com o filho um tratado de paz onde se previa anistia recíproca pelos atos dos respectivos partidários, a bem do reino.
Pedro é feito Rei. Mandou desenterrar Inês e obrigou a Corte a beijar a mão descarnada da amada esposa, como se fôra, ao seu lado, a Rainha do reino português. Dos três nobres envolvidos no assassinato, um foge para a França e os outros dois são presos. Pedro arranca-lhes o coração do peito, o de um pelas costas e o do outro pela frente, em ensandecida vingança contra aqueles que mataram “sem piedade uma mulher indefesa. Homens assim não mereciam ter seus corações pulsando”, razão para descumprir o tratado de anistia, a considerar crime hediondo não abrangido pelo trato, a degola de Inês, tal e qual hoje em dia o crime de tortura.
Quem visita Coimbra emociona-se na ida à Fonte das Lágrimas, lugar onde, supostamente, Inês morreu.
O Rei Pedro I recebeu, mais tarde, o cognome de “o justiceiro”. Seu reinado durou dez anos. Teve outra mulher de sangue português e ela deu-lhe um certo João, chamado de “Mestre de Avis”, que depois de Fernando, o último Rei da dinastia de Borgonha, ou Henriquenha, haveria de consolidar a nação portuguesa na gloriosa batalha de Aljubarrota contra a Espanha e a França, inaugurando a Dinastia de Avis (D. João I). Com ele, Portugal cobriu-se de glória e firmou-se como nação.
À Dinastia de Avis coube a tarefa de consolidar a nação portuguesa contra as tropas de Castela e França, em um momento de grande perigo à existência do reino. Mais precisamente coube ao primeiro Rei dessa dinastia, da segunda casa real de Portugal, vencer valorosamente uma das maiores batalhas militares travadas em solo europeu até então, evento a ser narrado no capítulo que a este se segue, sem deslembrar as urgentes circunstâncias envolvidas no caso. Novamente, a Côrte, os romances amorosos, as nuanças e intrigas monárquicas, se farão presentes na tumultuada, mas vitoriosa história da pátria portuguesa para firmar-se no plano internacional.
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