Sacha Calmon Navarro Coelho
Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Direito Financeiro e Tributário). Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). Advogado
Sumário: Proêmio; As peculiaridades do método difuso e concentrada de controle de constitucionalidade das leis no Brasil; As formas de conferir efeitos “erga omnes” às decisões do Supremo Tribunal Federal Brasileiro;A Repercussão geral, outra técnica de dar efetividade – não porém rapidez – às declarações do STF sobre o significado da Constituição ; Um voto relevante sobre a matéria; A conclusão do voto e as razões de decidir ; Observação pertinente; O Fecho do ensaio
Proêmio
Somos uma sociedade acostumada a experiências autoritárias de governança, desde o período colonial sob o guante português, passando pela época do Império Unido de Portugal, Brasil e Algarves, tendo o Rio de Janeiro como capital (inversão colonial), com a metrópole relegada a zona periférica, por isso que aqui ficavam a Coroa, o Governo e as decisões. O autoritarismo continuou depois da separação do Brasil do império português, tornando-se nação independente, sob a forma de uma monarquia constitucional, após 7 de setembro de 1822. Nessa época, passamos a adotar a tripartição dos poderes, sob um peculiar regime parlamentarista de Governo, a governar um país imenso, mas unitário, onde as províncias espalhadas num imenso território não tinham autonomia político-administrativa, curvando-se ao cetro real. O monarca tinha domínio sobre os ramos executivo e legislativo. O rei podia derrubar e erguer os gabinetes parlamentaristas de governo e dominava o Judiciário. Os magistrados eram indicados por atos de Sua Majestade.
Proclamada a República em 1889, adotamos, teoricamente, o modelo norte-americano: presidencialismo, federação e controle difuso da constitucionalidade das leis (judicial review). Na prática persistia o autoritarismo do Poder Executivo.
O país viveu particularidades inexistentes noutras latitudes e noutros países, como a América do Norte, que nos serviu de exemplo. Por outro lado relativamente às experiências européias, com suas Cortes Constitucionais (Direito romano-germânico) incorporamos o controle concentrado europeu.
Entretanto, e por causa disso, hoje, em pleno século XXI, temos a simbiose dos dois modelos de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, o que para mim, com o devido respeito aos que discordam do meu pensamento, resultou numa algaravia complexa que empurra para o Supremo Tribunal Federal (STF) milhares de questões. Seja lá como for, a intensa ocupação do nosso STF abarrotado de temas relevantíssimos e miuçalhas jurídicas que lhe deveriam ser estranhas, o botaram em crise. O tema da “repercussão geral” encarta-se neste panorama. Ex facto oritur jus. É uma tentativa de travar a sobrecarga de recursos extraordinários. No passado já tivemos o anteposto da relevância da questão federal.
Há mais. A Constituição de 1988 constitucionalizou exageradamente o Direito comum, na esperança de vê-lo respeitado. Deu-se o contrário. A litigiosidade cresceu exponencialmente, trazendo no bojo dos processos matéria constitucional atraindo a competência do STF. Por este ângulo, a questão da relevância do direito discutido ou, noutras palavras, o instituto da repercussão geral avisa que não basta a matéria ostentar cunho constitucional, é necessário que o seu desate tenha repercussão geral, o que é, por vários motivos, paradoxal. Primus – Toda questão constitucional é relevante e necessariamente tem repercussão geral. É estranho que a Constituição, em certos casos, não tenha garante. Secundus – A repercussão geral é um, a priori, por isso que integra o juízo de admissibilidade do recurso. A admissão tem cariz subjetivo e, portanto, arbitrário. O juiz da Suprema Corte decide se a questão constitucional deve ou não ser conhecida com perda evidente de eficácia da Lei Maior. Tertius – Estabelece-se por este sendeiro uma diminuição material da Constituição. Ela só é Constituição se o seu alegado desrespeito tiver repercussão geral. Se tal não ocorrer é como se não existisse.
O recurso extraordinário só será apreciado pelo Supremo caso ultrapasse os interesses das partes. A sistemática de julgamento é: 1) escolhe-se um, ou alguns, recursos; 2) paralisa-se o julgamento de todos os casos que tratem da matéria; 3) o STF julga o recurso escolhido; 4) todo o Judiciário aplica aquela decisão aos casos semelhantes. É o stare decisis do Direito norte-americano? Não mas nele inspira-se. A demonstração pela parte da relevância recursal tem parencença com o “writ a certiorari” do Direito norte-americano. É possível identificar algumas consequências: (a) esvaziamento das discussões nas turmas; (b) debates mais qualificados no Plenário; (c) harmonia das decisões judiciais; (d) debate de “teses” e não de “processos”; (e) projeção da Suprema Corte e de seus precedentes; (f) consolidação da interpretação com a participação dos amici curiae; (g) articulação dos interessados nos julgamentos; (h) muitas vezes, os juízes aplicarão o precedente a casos que diferem do que foi decidido. Essas divergências entre o Supremo e os demais tribunais podem trazer problemas não só às partes mas ao próprio STF; (i) a repercussão geral implica o instituto da avocatória, ainda que indiretamente. Em tese, todos os processos iguais ao que será julgado são avocados, ficam paralisados e são julgados, justamente por serem iguais.
O nosso intuito é cooperar para aprimorar o instituto, às luzes do Direito comparado, e valorar os votos da ilustre e conscienciosa Ministra ELLEN GRACIE, em honra de quem fomos convidados a escrever o presente ensaio, parcela de obra coletiva, com autores de maior nomeada, em líber amicorum pelos seus dez laboriosos anos de judicatura na Suprema Corte brasileira, o que muito me satisfaz e engrandece, em que pese faltar-me méritos para tão ingente mister.
As peculiaridades do método difuso e concentrada de controle de constitucionalidade das leis no Brasil
O Brasil adota, em parte, o controle concentrado europeu de controle de constitucionalidade e, igualmente, o controle difuso, de origem norte-americana, mas sem o stare decisis clássico do controle “incidenter tantum” no bojo de um caso concreto.
MAURO CAPPELLETTI, no seu O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado (Porto Alegre, Antônio Fabris, 1984), procura justificar a não expansão do modelo norte-americano, na Europa de formação romano-germânica, pelas insuficiências do mesmo e em razão das peculiaridades jurídicas existentes no continente. Damos à estampa, as agudas observações desse autor:
(…)
“No método de controle ‘difuso’ de constitucionalidade – no denominado método ‘americano’, em suma – todos os órgãos judiciários, inferiores ou superiores, federais ou estaduais, têm, como foi dito, o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais aos casos concretos submetidos a seu julgamento. Experimentemos então imaginar, como hipótese de trabalho – uma hipótese que, de resto, foi tornada realidade, como já se referiu, em alguns países, ou seja, na Noruega, Dinamarca, Suécia, Suíça e foi posta em prática, por poucos anos, também na Alemanha e na Itália –, a introdução deste método ‘difuso’ de controle nos sistemas jurídicos da Europa continental e, mais em geral, nos sistemas denominados de civil law, do stare decisis. Pois bem, a introdução, nos sistemas de civil law do método ‘americano’ de controle, levaria à consequência de que uma mesma lei ou disposição de lei poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional, por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada em contraste com a Constituição por outros. Demais, poderia acontecer que o mesmo órgão judiciário que, ontem, não tinha aplicado uma determinada lei, ao contrário, a aplique hoje, tendo mudado de opinião sobre o problema de sua legitimidade constitucional. Poderiam, certamente, formar-se verdadeiros ‘contrastes de tendências’ entre órgãos judiciários de tipo diverso – que se manifestam, por exemplo, em perigosos contrastes entre os órgãos da justiça ordinária e os da justiça administrativa – ou entre órgãos judiciários de diverso grau: por exemplo, uma maior inclinação dos órgãos judiciários inferiores, compostos usualmente de juízes mais jovens e, portanto, menos ligados a um certo passado, a declarar a inconstitucionalidade de leis que os juízes superiores (e mais velhos) tendem, ao contrário, a julgar válidas, como exatamente se verificou com notoriedade na Itália, no período de 1948-1956, e, como, pelo que leio, continua a se verificar, de maneira impressionante, no Japão. A consequência, extremamente perigosa, de tudo isto, poderia ser uma grave situação de conflito entre órgãos e de incerteza do direito, situação perniciosa quer para os indivíduos como para a coletividade e o Estado. Tampouco a não aplicação, mesmo reiterada, de uma lei por parte do órgão supremo da justiça poderia impedir o comportamento contrário de qualquer outro órgão do ordenamento judiciário, nem, muito menos, uma mudança de opinião do órgão supremo.
Mas não basta. Ulteriores inconvenientes do método ‘difuso’ de controle, porque concretizado em ordenamento jurídicos que não acolhem o princípio do stare decisis, são os que derivam da necessidade de que, mesmo depois de uma primeira não aplicação ou de uma série de não aplicações de uma determinada lei por parte das Cortes, qualquer sujeito interessado na não aplicação da mesma lei proponha, por sua vez, um novo caso em juízo.” (ob. cit. pág. 76)
(….)
“Este insucesso e as acima lastimadas graves consequências de conflito e de incerteza foram evitados nos Estados Unidos da América, como também nos outros países de common law, em que vige o sistema de controle judicial ‘difuso’ de constitucionalidade. Ali vale, de fato – e ainda que com muitas atenuações das quais, porém, não é aqui necessário falar porque elas não negam a substancial validade de nossas presentes considerações –, o fundamental princípio do stare decisis, por força do qual ‘a decision by the highest court in any jurisdiction is binding on all lower courts in the same jurisdiction’. O resultado final do princípio do vínculo aos precedentes é que, embora também nas Cortes (estaduais e federais) norte-americanas possam surgir divergências quanto à constitucionalidade de uma determinada lei, através do sistema das impugnações a questão de constitucionalidade poderá acabar, porém, por ser decidida pelos órgãos judiciários superiores e, em particular, pela Supreme Court cuja decisão será, daquele momento em diante, vinculatória para todos os órgãos judiciários. Em outras palavras, o princípio do stare decisis opera de modo tal que o julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba, indiretamente, por assumir uma verdadeira eficácia erga omnes e não se limita então a trazer consigo o puro e simples efeito da ‘não aplicação’ da lei a um caso concreto com possibilidade, no entanto, de que em outros casos a lei seja, ao invés, de novo aplicada. Uma vez não aplicada pela Supreme Court por inconstitucionalidade, uma lei americana, embora permanecendo on the books, é tornada a dead law, uma lei morta, conquanto pareça que não tenham faltado alguns casos, de resto excepcionalíssimos, de revivescimento de uma tal lei por causa de uma ‘mudança de rota’ daquela Corte.
Vê-se, deste modo, como aquele simples e claro raciocínio, que, como disse, fora já limpidamente formulado por Hamilton no O Federalista e que, depois, esteve na base da sentença de 1803, no caso Marbury versus Madison, tenha vindo, na realidade, a operar em um plano enormemente mais vasto e comprometedor do que aquele que, à primeira vista, se podia imaginar. Na verdade, aquele raciocínio inclinava-se, aparentemente, a resolver o problema da inconstitucionalidade das leis no terreno da pura e simples interpretação das próprias leis: já que – dizia-se – a lei constitucional é ‘mais forte’ do que a lei ordinária, o juiz, devendo decidir um caso em que seria relevante uma lei que ele julgue contrária à norma constitucional, deve ‘interpretar o direito’ no sentido de dar a prevalência à norma constitucional, e não àquela inconstitucional. Portanto: não invasão do juiz na esfera do poder legislativo, mas, antes, pura e simples ‘não aplicação’ da lei naquele dado caso concreto.
Mas eis, ao invés, que, mediante o instrumento do stare decisis, aquela ‘mera não aplicação’, limitada ao caso concreto e não vinculatória para os outros juízes e para os outros casos acaba, ao contrário, por agigantar os próprios efeitos, tornando-se, em síntese, uma verdadeira eliminação, final e definitiva, válida para sempre e para quaisquer outros casos, da lei inconstitucional: acaba, em suma, por tornar-se uma verdadeira ‘anulação da lei’, além disso, com efeito, em geral, retroativo.” (ob. cit. pág. 80)
(…)
“O sistema de controle ‘concentrado’ de constitucionalidade está baseado em uma doutrina radicalmente contraposta àquela, acima examinada (v. parágrafo 3), sobre o que está fundado, ao invés, o sistema ‘difuso’. Com efeito, é óbvio que no sistema ‘concentrado’ não vale mais o clássico raciocínio de Hamilton e de Marshall, que resolvia – ao menos aparentemente (supra parágrafo 5) – o problema da lei inconstitucional e do seu controle judicial, em plano de mera interpretação e de consequente aplicação ou não aplicação da lei. Em lugar daquele raciocínio, vale aqui, antes, a doutrina da supremacia da lei e/ou da nítida separação dos poderes, com a exclusão de um poder de controle da lei por parte dos juízes comuns. Na verdade, no sistema de controle ‘concentrado’, a inconstitucionalidade e consequente invalidade e, portanto, inaplicabilidade da lei não pode ser acertada e declarada por qualquer juiz, como mera manifestação de seu poder e dever de interpretação e aplicação do direito ‘válido’ nos casos concretos submetidos a sua competência jurisdicional. Ao contrário, os juízes comuns – civis, penais, administrativos – são incompetentes para conhecer, mesmo incidenter tantum e, portanto, com eficácia limitada ao caso concreto, da validade das leis. Eles devem sempre, se assim posso me exprimir, ter como boas as leis existentes, salvo, eventualmente –, como acontece na Itália e na Alemanha, mas não na Áustria – o seu poder de suspender o processo diante deles pendente, a fim de arguir, perante o Tribunal Especial Constitucional, a questão de constitucionalidade surgida por ocasião de tal processo. De modo que, não corretamente – alguns estudiosos acreditam poder falar, a este respeito, de uma verdadeira ‘presunção de validade das leis’ que tem efeito para todos os juízes com a única exceção da Corte Constitucional: uma presunção que, obviamente, não pode absolutamente ser configurada, ao invés, nos sistemas que adotaram o método de controle ‘difuso’ de constitucionalidade.” (ob. cit. págs. 84/88)
Essas observações de CAPPELLETTI, são importantes até porque o modelo brasileiro, alfim, pertence à família romano-germânica e adota o sistema difuso de controle de constitucionalidade das leis junto com o concentrado. Os defeitos do controle difuso são facilmente removíveis, a começar pela determinação da observância obrigatória das decisões do Supremo Tribunal Federal, declaratórias de inconstitucionalidade qualquer que seja o método, o que traz à baila interessantes questões, acenando para soluções criativas e eficazes, embora traga também certas inconveniências em razão de possíveis desníveis entre o Supremo Tribunal Federal, guarda da Constituição, e o Superior Tribunal de Justiça, na qualidade de Tribunal da Federação, órgão máximo incumbido de uniformizar a jurisprudência no direito pátrio, com predomínio sobre os tribunais federais de 2º grau e os tribunais de justiça dos Estados-membros.
Por outro lado, os apontados inconvenientes do sistema difuso, principalmente os que timbram na diversidade de opiniões de juízes a respeito de uma questão alegada de inconstitucional, na verdade, são decorrentes da própria natureza da função jurisdicional. Afinal de contas, a mesma liberdade que tem o juiz, no sistema difuso, de optar pela constitucionalidade ou não de uma lei, incidenter tantum, a tem o juiz no sistema concentrado, para suscitar a exceção de inconstitucionalidade (sustando o processo). Se não estiver convencido não o fará… a menos que o sistema processual o obrigue a fazer subir até a Côrte Constitucional a exceção de inconstitucionalidade, questão prejudicial do julgamento do mérito, por isso que a lei de regência do caso é increpada pelo excipiente de inconstitucional e isso o juiz monocrático, no método concentrado, não tem competência – menos em Portugal – para apreciar. A decisão do juiz no sistema difuso sobe ao tribunal ad quem e depois à Corte Suprema, cuja decisão passa a ser vista como precedente, se sumulada. Essa “via crucis”, demorada, cumpre ser evitada, em nome da celeridade e segurança do Direito. Se se agregar celeridade ao sistema difuso, com foco na Suprema Corte Judicial, como é o caso do Brasil, tem-se que, sendo a decisão da Corte Máxima de eficácia erga omnes, alcança-se o mesmo efeito que CAPPELLETTI julga ser a expressão mais alta de racionalidade, a emoldurar as Cortes Constitucionais européias, isto é, uma decisão que obriga rapidamente a todos ao mesmo tempo. O Brasil precisa conferir eficácia máxima aos métodos de controle de constitucionalidade das leis por dois motivos. A uma, porque uma Constituição imensa, analítica, trouxe para o STF matérias de todos os principais ramos do Direito (a quantidade de casos questionando a constitucionalidade de leis e de atos normativos é assim enorme). A duas, porque a sistemática recursal, no Brasil, se derrama por três instâncias infraconstitucionais com uma gama variada de recursos, o que, às vezes, faz uma simples ação demorar 10 anos até ser examinada pelo STF, traduzindo um despautério difícil de ser admitido ante os princípios da celeridade, da certeza e da segurança do direito.
As formas de conferir efeitos “erga omnes” às decisões do Supremo Tribunal Federal Brasileiro.
No que concerne ao controle concentrado que é exercido principalmente por meio de ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade, sem entrar em pormenores relativos aos sujeitos competentes para aforar ditas ações, que são muitos, bem como a outras formas de acesso à Suprema Côrte Constitucional, como por exemplo, pela arquição de descumprimento de preceito fundamental, diga-se “brevitates causa” que no controle direto e abstrato de constitucionalidade das leis, os acórdãos da Côrte possuem efeitos “erga omnes” e vinculam o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e a sociedade como um todo (art. 102 § 2 da Constituição Federal). É um ditado sobre o sentido da Constituição. Mesmo em face de norma proveniente de EMENDA À CONSTITUIÇÃO, afazer do Poder Constituinte Derivado, a via direta, portanto, é mais lépida bem como a resposta que é cortante. Muito embora sejam capacitados para aforar ações diretas diversos sujeitos, elas não estancam a pletora de recursos extraordinários que enfartam a Suprema Côrte Brasileira. Confira-se a LEI MAIOR
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
§ 1º – O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
§ 3º – Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
Dir-se-á que temos, doutra forma, o stare decisis. Sim, à nossa maneira, mas nem as súmulas vinculantes nem as reclamações ou queixas Constitucionais conseguem desobstruir as artérias do STF. Os recursos extraordinários devido a existência do controle difuso enfartam as artérias da Côrte, sem falar que ocupam – por etapas – o Poder Judiciário. Começam as ações perante os juízes monocráticos estaduais e federais, chegam aos Tribunais Estaduais e Federais de Apelação e finalmente adentram o Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior de Trabalho (TST) e por último o Supremo Tribunal Federal (STF), que é um Tribunal Constitucional.
A Repercussão geral, outra técnica de dar efetividade – não porém rapidez – às declarações do STF sobre o significado da Constituição
O leito da matéria em exame está na Constituição. Não Constitui demasia expor o inteiro teor do Instituto em respeito aos leitores daqui e d’alhures.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Art. 102. (…).
§ 3º. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (parágrafo incluído pela EC nº 45, de 30 de dezembro de 2004)
LEI Nº 11.418, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006
Acrescenta à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, dispositivos que regulamentam o § 3o do art. 102 da Constituição Federal. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei acrescenta os arts. 543-A e 543-B à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, a fim de regulamentar o § 3º do art. 102 da Constituição Federal.
Art. 2o A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 543-A e 543-B:
“Art. 543-A O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 7o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”
“Art. 543-B Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”
Art. 3o Caberá ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno, estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei.
Art. 4o Aplica-se esta Lei aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência.
Art. 5o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.
Brasília, 19 de dezembro de 2006; 185o da Independência e 118o da República.
REGIMENTO INTERNO DO STF
“Art. 13. São atribuições do Presidente:
V – despachar:
c) como Relator (a), nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do Código de Processo Civil, até eventual distribuição, os agravos de instrumento e petições ineptos ou doutro modo manifestamente inadmissíveis, bem como os recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, ou cuja matéria seja destituída de repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal.
Art. 21. São atribuições do Relator:
§ 1º Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou à Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil.
Art. 322. O Tribunal recusará recurso extraordinário cuja questão constitucional não oferecer repercussão geral, nos termos deste capítulo.
Parágrafo único. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes.
Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.
§ 1º Nos processos em que o Presidente atuar como relator, sendo reconhecida a existência de repercussão geral, seguir-se-á livre distribuição para o julgamento de mérito.
§ 2º Tal procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral.
§ 3º Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral.
Art. 323-A. O julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também poderá ser realizado por meio eletrônico.
Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais Ministros encaminhar- lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral.
§ 1º Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.
§ 2º Não incide o disposto no parágrafo anterior quando o Relator declare que a matéria é infraconstitucional, caso em que a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, autorizando a aplicação do art. 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil.
§ 3º O recurso extraordinário será redistribuído por exclusão do(a) Relator(a) e dos Ministros que expressamente o(a) acompanharam nos casos em que ficarem vencidos.
Art. 325. O(A) Relator(a) juntará cópia das manifestações aos autos, quando não se tratar de processo informatizado, e, uma vez definida a existência da repercussão geral, julgará o recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador-Geral, se necessária; negada a existência, formalizará e subscreverá decisão de recusa do recurso.
Parágrafo único. O teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, que deve integrar a decisão monocrática ou o acórdão, constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso.
Art. 325-A. Reconhecida a repercussão geral, serão distribuídos ou redistribuídos ao relator do recurso paradigma, por prevenção, os processos relacionados ao mesmo tema.
Art. 326. Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo(a) Relator(a), à Presidência do Tribunal, para os fins do artigo subseqüente e do artigo 329.
Art. 327. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão.
§ 1º Igual competência exercerá o(a) Relator(a) sorteado(a), quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência.
§ 2º Da decisão que recusar recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo.
Art. 328. Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir- se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de juizado especial, a fim de que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes informações, que deverão ser prestadas em 5 (cinco) dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica.
Parágrafo único. Quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a) selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil.
Art. 328-A. Nos casos previstos no art. 543-B, caput, do Código de Processo Civil, o Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade sobre os recursos extraordinários já sobrestados, nem sobre os que venham a ser interpostos, até que o Supremo Tribunal Federal decida os que tenham sido selecionados nos termos do § 1º daquele artigo.
§ 1º Nos casos anteriores, o Tribunal de origem sobrestará os agravos de instrumento contra decisões que não tenham admitido os recursos extraordinários, julgando-os prejudicados nas hipóteses do art. 543-B, § 2º, e, quando coincidente o teor dos julgamentos, § 3º.
§ 2º Julgado o mérito do recurso extraordinário em sentido contrário ao dos acórdãos recorridos, o Tribunal de origem remeterá ao Supremo Tribunal Federal os agravos em que não se retratar.
Art. 329. A Presidência do Tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito.”
Um voto relevante sobre a matéria
Isto posto passemos a comentários à volta de um voto da Ministra ELLEN GRACIE (Recurso Extraordinário 559.937). Por primeira quero vincar a questão da demora. A Ministra Ellen Gracie nas preliminares do voto disse:
“A repercussão geral da matéria, por sua vez, não apenas foi suscitada em preliminar no Recurso Extraordinário ora trazido a julgamento (item “III – DA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL” das razões de recurso, à fl. 233 dos autos), como já restou reconhecida por esta Corte, por unanimidade, na Sessão Plenária de 26 de setembro de 2007 nos autos do RE 559.607, relator o Ministro Marco Aurélio.
Está o recurso apto, assim, para ser analisado por este Tribunal.
Importa destacar, ainda, que há milhares de processos sobre a matéria aguardando o julgamento definitivo da questão por este Supremo Tribunal Federal, os quais vêm sendo represados já há mais de dois anos. Daí a urgência para que este Tribunal defina a questão e promova assim o encerramento dessa miríade de controvérsias repetitivas que sobrecarregam o sistema judiciário. (Grifamos)
O contribuinte se insurgiu, nesta ação, contra as contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação, formulando pedidos sucessivos. Apontou a invalidade das contribuições como um todo, por inconstitucionalidade da Lei 10.865/04 em bloco, e, em caráter sucessivo, se insurgiu especificamente contra a extensão da base de cálculo. A procedência foi parcial, somente tendo sido acolhido o pedido sucessivo.
O acórdão recorrido, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04 na parte em que determina que, na apuração da base de cálculo das referidas contribuições, o valor aduaneiro seja “acrescido do valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, por ter ultrapassado os limites do conceito de valor aduaneiro, em afronta ao disposto no art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal.
As contribuições questionadas neste recurso extraordinário foram instituídas, ambas, com fundamento no art. 149, § 2º, II, e no art. 195, IV, da Constituição Federal, como contribuições de seguridade social. O primeiro destes dispositivos diz que as contribuições sociais “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços” e o segundo determina que a seguridade social será financiada, entre outras fontes, mediante recursos provenientes de contribuição “do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”.
Foi a própria lei instituidora de tais contribuições – Lei 10.865/04, conversão da MP 164/04 – que as denominou PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação”.
A conclusão do voto e as razões de decidir
“Quando do advento da EC 33/01, o art. 2º do DL 37/66, com a redação determinada pelo DL 2.472/88, já fazia referência ao valor aduaneiro ao dispor acerca da base de cálculo do Imposto sobre a Importação:
“Art.2º – A base de cálculo do imposto é: I – quando a alíquota for específica, a quantidade de mercadoria, expressa na unidade de medida indicada na tarifa; II – quando a alíquota for ‘ad valorem’, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT”.
Vê-se que a dimensão do que seja valor aduaneiro decorre de acordo internacional sobre tributação.
Aliás, é relevante ter em conta que o Decreto Legislativo 30/94 aprovou Acordo sobre a implementação do artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994, constante do Anexo 1A ao Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio, e que o Decreto 1.344/94 o promulgou, incorporando os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT.
A regulamentação do controle do valor aduaneiro consta da IN SRF 327/03. E o novo Regulamento Aduaneiro também cuidou da matéria. Vejam-se os arts. 76 e 77 do Dec. 6.759/09 (Novo Regulamento Aduaneiro):
“Art. 76. Toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro. Parágrafo único. O controle a que se refere o caput consiste na verificação da conformidade do valor aduaneiro declarado pelo importador com as regras estabelecidas no Acordo de Valoração Aduaneira. Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado (…): I – o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; II – os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e III – o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II”.
Cabe observar que o valor aduaneiro compreende também os custos de transporte, de carga, descarga e manuseio e de seguro, de modo que corresponda ao valor do produto posto no país importador, ou seja, ao preço CIF (cost, insurance and freight) e não ao simples preço FOB (free on board).
Note-se, aliás, que as operações de importação submetem-se a inúmeros custos logísticos e tributários inexistentes nas operações internas, como o frete internacional e o respectivo seguro, bem como contribuição de intervenção no domínio econômico para renovação da marinha mercante (AFRMM), IOF-Câmbio e, especialmente, o Imposto sobre a Importação. Submetem-se as importações, ainda, ao ICMS-Importação, o qual, diferentemente do ICMS interno, tem como base de cálculo a soma do valor da mercadoria com o imposto de importação, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações de câmbio e quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras (art. 13, V, da LC 87/96, com a redação da LC 114/02). E não deixam de gerar a obrigação de pagar IPI, o qual, na importação, incide sobre o valor aduaneiro acrescido do imposto de importação, das taxas exigidas para entrega do produto no País e dos encargos cambais (arts. 47, I, do CTN e 14, I, b, da Lei 4.502/64, com a redação da Lei 7.798/89).
O gravame das operações de importação dá-se não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária visando a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, bem como para fins de equilíbrio da balança comercial.
Para tanto, como se viu, muitos são os tributos incidentes e, desde o advento da MP 164/04, convertida na Lei 10.865/04, também incidem a PIS/PASEP-Importação e a COFINS-Importação.
De tudo extrai-se, pois, que não há parâmetro de comparação que permita, mediante a invocação da isonomia, justificar constitucionalmente a tributação pretendida, deixando de atender às delimitações impostas pela EC 33/2001. Jamais poderiam a PIS/PASEP-Importação e a COFINS-Importação ter extrapolado a norma de competência respectiva, composta não apenas dos arts. 149, II, e 195, IV, mas também do § 2º, III, a, daquele artigo, acrescentado pela EC 33/2001.
A inobservância da norma constitucional constante do art. 149, § 2º, III, a, faz com que o art. 7º, I, da Lei 10.865/04, inconstitucional que é, não tenha qualquer validade, não obrigando os contribuintes. No conflito entre o dispositivo constitucional e o dispositivo legal, por certo, há de se aplicar aquele, dada a supremacia da Constituição.
Correto, pois, o acórdão recorrido.
Ante todo o exposto, reconhecendo a inconstitucionalidade da parte do art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04 que diz “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, por violação ao art. 149, § 2º, III, a, acrescido pela EC 33/01, nego provimento ao recurso extraordinário.
Aos recursos sobrestados, que aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o art. 543-B, § 3º, do CPC.
Observação pertinente
Insta-se o leitor a verificar que a “quastio júris” estabeleceu-se porque primeiramente o Legislador Federal fez lei sem dar a mínima atenção à Constituição, aos tratados assinados pelo Brasil e as leis federais que sempre, desde sempre, utilizavam o conceito de “valor aduaneiro” de modo uniforme e, também porque o Poder Executivo rompeu a Lei Maior para aumentar a tributação dos seus tributos em evidente cascata (tributo servindo de matéria tributável de outro tributo, absurdo non sense)
No Brasil os entes políticos (Legislativo e Executivo) são responsáveis por 81% dos recursos que sobrecarregam as pautas dos Tribunais Superiores. Não exercem o controle “interna corporis” de constitucionalidade das leis e atos normativos, muito pelo contrário. Tampouco são apenados por essas atitudes autoritárias, antidemocráticos e não-republicanos. Os advogados públicos recorrem por recorrer, quase não sofrem condenações em honorários e raramente são multados pelos recursos protelatórios, não se podendo omitir, nesse trabalho, a existência desse déficit civilizatório a exacerbar o trabalho da Corte Suprema Brasileira.
O Fecho do ensaio
Vê-se então que nos encerros do controle difuso as súmulas vinculantes e os recursos extraordinários de repercussão geral possuem efeitos “erga omnes” e vinculam os poderes públicos e os particulares no tocante aos casos iguais. Procuram dar eficácia as decisões da Suprema Côrte, na esteira do “stare decisis” do Direito Norte-Americano. Não é despiciendo notar que a Suprema Côrte de lá julga 180 casos por ano, a brasileira oito mil processos (REs), sem falar na ações diretas (controle concentrado) e habeas-corpus. A razão de ser dessa discrepância parece assentar-se em três premissas.
“Primus” – A Constituição Americana e suas poucas emendas é sintética, breve, não oferecendo o flanco a desobediências claras enquanto a brasileira é pletórica, abundante, analítica, quase um supercódigo de normas jurídicas de todos os ramos do Direito, ofertando ocasião a inúmeros desrespeitos e ofensas, ampliando como em lugar algum da terra o contencioso Constitucional.
“Secundus” – Noutras latitudes o Legislativo e o Executivo primam por respeitar a Constituição, como em França, onde o controle de constitucionalidade dá-se na última etapa do processo Legislativo, pelo Conselho Constitucional, órgão respeitado da Assembléia Nacional da República Francesa e os atos da Administração são severamente analisados em face da Constituição pelo Conselho de Estado, órgão materialmente jurisdicional mas integrante, formalmente falando, do aparato do Estado Administração, daí falar-se ali em dualidade de jurisdição. No Brasil, ao revés o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos e o controle da legalidade dos atos administrativos constam do “ordo juris” mas não é feito no Legislativo e no Executivo, por causa da vocação autoritária a que nos referimos no início dessa explanação. Estes vezos históricos e culturais se sobrepõem as boas praticas republicanas, ocasionando seguidas estocadas ao corpo da Constituição e de suas numerosas emendas. É a Constituição mais emendada do mundo no curto espaço de vinte e poucos anos, a trazer enorme instabilidade constitucional.
“Tertius”- As competências do Supremo Tribunal Brasileiro superam vigorosamente as das Côrtes Constitucionais da Europa e da Suprema Côrte Americana, que se ocupam exclusivamente de questões constitucionais.
Por último mas não menos importante, a nossa Suprema Côrte, aos poucos reduzirá os pleitos que a assolam. Por isso, não é bom mudar a sua jurisprudência com freqüência. Demore e medite a Côrte no que vai dizer para que o dito se torne como a luz de um farol a orientar os justiçáveis. Os EEUU nem precisavam do “stare decisis”. A Constituição e sua interpretação mudam pouco, sempre por força de circunstâncias históricas (a discriminação racial, vg). Os americanos andam armados e matam-se por força de uma velha emenda à Constituição, de um tempo em que o Estado não garantia, porque desorganizado, a vida, a integridade física e a propriedade das pessoas. A Suprema Côrte bem poderia impor restrições ao porte e à venda de armas de fogo. O próprio Congresso poderia emendar a Constituição. Nada feito. Respeitam-se o passado e as Instituições. No Brasil precisamos do “stare decisis” e não o temos, apenas institutos similares que demandarão tempo e afinco até surtirem efeitos. Devemos emitir súmulas vinculantes com mais rapidez mas para tanto será preciso, antes, estabilizar a jurisprudência da Constituição com acórdãos que mereçam a aprovação majoritória da sociedade. A tanto chegaremos no futuro. Hoje a esperança ocupa os nossos corações. Há Ministros e Ministras em Brasília tanto como os houve em Berlim, naquela ocasião de hipertrofia do Poder Imperial Alemão.
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