Esse jovem norueguês e as células fundamentalistas por ele mencionadas são a contraface cristã de Bin Laden e da Al Quaeda, representam o mesmo que a solução final de Hitler.
Noruega é o país europeu menos xenófobo. Acolhe bem a diversidade. Ali no parque arborizado, loiras de olhos azuis abraçadas com negros com inteira naturalidade ou negras namorando brancos, especialmente entre os jovens. Em Bergen, porto do Atlântico Norte, encontrei três conterrâneas alagoanas prestes a vir ao Brasil passar o carnaval, como sempre fizeram nos últimos 18 anos, segundo disseram, em estado de solterice consentida pelos maridos nativos. Os nórdicos são frios e calejados pelos séculos. É impossível ver naquela gente civilizada e polida os vikings (suecos e noruegueses d’antanho) que aterrorizaram a Europa por séculos, saqueando e incendiando cidades e aldeias. São 5 milhões de habitantes, se tanto, a viver num país penetrado por fiordes belos e tristes (rias altas, como se diz na Galícia espanhola), cordilheiras rochosas e milhares de lagos (90% do país é assim).
O jovem psicopata, o que significa ser inteligente e aparentemente normal, mas destituído de sentimento de culpa – não, porém, de responsabilidade penal –, ao promover a matança, quis alterar esse quadro. Na ilha não estavam apenas jovens nórdicos da Juventude Trabalhista, mas negros de várias origens e gente do mediterrâneo, da Turquia e do Norte da África.
Essa confraternização, para ele insuportável, irritou-o tanto quanto escarmenta os grupos racistas. Imbuído de sua missão étnica e religiosa, paladino de uma Europa que já deixou há muito de ser branca e cristã, já que é multiétnica e policultural, perpetrou a carnificina para mostrar a seu próprio povo que ele e outros tarados reunidos em células não mais permitiriam tamanha promiscuidade na Noruega. E estendeu seu recado macabro ao primeiro-ministro, daí o atentado à sede do governo.
É de se dizer que o percentual de imigrantes na Noruega é pequeno, cerca de 10% da população. Desses, 2% apenas professam o islamismo. A Noruega vive da pesca, do petróleo (80% do PIB), do turismo, comércio, produtos de alta tecnologia, navegação e indústria de instrumentos de alta precisão. Inexistem empregos à farta a atrair migrantes. Não importa. O mito racista, por mais incorreto que seja cientificamente, está a esparramar-se pela Europa, daí o equivoco do twiteiro norueguês a postar seu ingênuo recado na web: “Se ele odiava tanto os muçulmanos e negros, que os matasse”. Elementar, meu caro Olaf. É porque ele quer que todos sejam como você, a não se importar com a dignidade humana dos noruegueses negros e muçulmanos nem com as vidas deles, a ponto de importar- se apenas com a morte dos brancos seus conterrâneos. Ele criou o terror, seu objetivo indiscutível. Deu seu aviso aos jovens namorados, aos casamentos interraciais e às políticas migratórias permissivas do governo. E o fez mostrando quão bárbaro e cruel pode ser um jovem branco, racista, educado, xenófobo e cristão.
Esse jovem norueguês, e não duvido das células fundamentalistas por ele mencionadas, é a contraface cristã de Bin Laden e da Al Quaeda. Carrega a mesma crueldade autoindulgente da Ku Klux Klan norte-americana. É a réplica da limpeza étnica dos sérvios ortodoxos na Bósnia islâmica. Representa o mesmo que a solução final de Hitler para exterminar os judeus. Faz caro com o antiarabismo do Likud em Israel e com o governo direitista da Suíça, que outro dia, em campanha oficial contra o islamismo, comparou os minaretes das mesquitas a mísseis balísticos. Flerta com a Áustria de extrema-direita e seu germanismo secular. Inspira-se na Espanha anti-imigrante de Aznar a sonhar sua volta ao poder. Rima com o racismo facista de Le Pen, numa França tradicionalmente católica e antissemita. A mídia ocidental, mesmo sem informações, foi logo apontando o dedo contra o Islã. A Veja, por exemplo, gastou 2/3 da sua reportagem de 24/7 com invectivas aos muçulmanos e um 1/3 com o que interessava: a direita fundamentalista cristã. Foi indulgente como convinha.
Não sejamos ingênuos a dizer que o terrorista que veio do frio surgiu do nada (mais um louco enfurecido). Ele vem de um caldo de cultura cada vez mais efervecente na Europa, à medida que o desemprego cresce. Depois de explorar o mundo e enriquecer-se com o colonialismo, a Europa egoica agora volta-se contra os seus ajudantes egressos das ex-colônias, e quer se fechar em suas fronteiras. A direita e a extrema-direita, de mistura com o anti-islamismo, a recusa aos migrantes e a xenofobia cultural estão crescendo no continente. Sarkozy opõe-se, por exemplo, ao ingresso da Turquia, que já é da Otan, na comunidade Européia. O motivo é óbvio. Muitos aprovam o terrorista norueguês na surdina. Outros o apoiaram às claras, na França e na Inglaterra. Outros fingem ser altruístas. É desesperador o que está acontecendo na Europa. De um lado egoísmo e intolerância, de outro miséria humana. Todos filhos do bom Deus, seja qual for o seu santo nome.
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