Toda matéria importante que não consulte ao “centrão a comandar o Congresso Nacional, por instinto e afinidade política, está fadada ao insucesso.
A segunda quinzena de maio foi atroz para a presidente. O governo virou de pernas para o ar. A desorientação presidencial feriu de morte a liderança de Dilma. De repente o recato que a ornava mostrou a face: absoluta incapacidade para lidar com os fatos políticos, causando a todos profundo mal-estar. Atordoada com os ilícitos atribuídos ao ministro Pallocci, sua mudez até fazia sentido. Mas quando a matreirice de Lula obrigou-a vir a público defendê-lo perante o povão deu-se o pior. A uma, a presidente, agora se tem por certo, cumpre ordens de seu ex-chefe. A duas, a sua defesa do ministro foi claramente bisonha, não convenceu ninguém. Ela não leva jeito para o jogo de palavras.
Lula chegou como um vendaval, a dizer que Pallocci era o Pelé da economia. Trivial demagogia, mas o povo entende. Aos senadores queixosos por não serem recebidos pela Presidência, aconselhou-os a chutarem as portas dos gabinetes palacianos. A Pallocci não o repreendeu pelos malfeitos, por saber talvez da origem e do fim dos ganhos (boa parte serviu, dizem por ai, para financiar o PT). Porém puxou-lhe as orelhas por monopolizar a interlocução palaciana, a engendrar mal-estares tanto no PT como no PMDB, cristalina verdade, e ainda se reuniu com petistas e sindicalistas para dizer como deve ser a reforma política que interessa ao seu partido, por saber do vácuo de liderança no encaminhamento da questão. Distribuiu censuras a torto e a direito e deplorou a falta de habilidade do Planalto para mediar a votação do Código Florestal, aliás realisticamente satisfatório depois que Aldo Rebelo fê-lo plausível e adequado ao Brasil de nossos dias, ultrapassando velhos ódios, irracionalidades, retroatividades injurídicas, utopias, ressentimentos e preconceitos contra o competente agronegócio brasileiro. Ele, como um Cristo carregando a sua cruz, desabafou: “Já não aguento mais carregar esse feixo de lenha nas costas”. Foi a senha para a votação que terminou com uma acachapante derrota do governo: 80% dos votos aprovaram o relatório de Aldo. Uma surra de dar bicho, a provar que no Brasil não temos direita, quando muito Bolsonaro e meia dúzia de gatos pingados.
O espectro político move-se do centro, pouco importando os partidos, para a centro-esquerda onde estão o PT e o PSDB, em parte, mínima a influência das siglas de extrema esquerda. Toda e qualquer matéria importante que não consulte o “centrão” a comandar Congresso Nacional, por instinto e afinidade política, está fadada ao insucesso. Espera-se que a presidente e outros boquirrotos do PT e do PMDB, como Jucá e Vacarrezza, entendam bem a pisa que levaram e por que apanharam tanto.
A ameaça de votar isso e aquilo antes da votação transformou a Câmara dos Deputados e os congressistas em paus-mandados. A tática não funcionou, muito pelo contrário, nem tampouco o ameaça direta ao vice-presidente da República. Os noticiaristas do país informam que Dilma mandou Pallocci ligar para Temer e dizer que se o PMDB não acompanhasse o governo demitiria os ministros do partido, a começar pelo da Agricultura, Wagner Rossi, afilhado de Temer. Este exigiu respeito não apenas como vice-presidente, mas como pessoa, e que a presidente nem precisaria demitir, o PMDB colocaria os cargos à disposição. Em termos de xadrez o movimento do peão acarretou o xeque-mate. Pallocci tornou a ligar para desculpar-se e convidar Temer para um café da manhã com a presidente. Este sugeriu que ele, Pallocci, é que deveria tomá-lo e recusou o convite. Para um bom entendedor duas palavras bastam. Como é possível uma presidente da República tida por sóbria, e um ministro tido por hábil, fazerem tamanha trapalhada política, como se estivéssemos na ditadura ou num Estado stalinista? Perder a cabeça antes da batalha antecipou a derrota.
Além de derrotar o governo, o PMDB emplacou uma emenda conferindo aos estados – diminuindo os poderes da presidente – competência para regular alguns assuntos do código, ao suposto de que somos uma federação de estados e não uma república unitária ou uma monarquia. O autor da e menda foi José Henrique Alves, figura de proa do PMDB. Portanto os grandes aliados, o PT e o PMDB, o presidente e o vice-presidente estão mutuamente abalados. A crise deixou feridas abertas e o travo amargo do desquite. Mas Lula, o bombeiro, quer o povo vendo a presidente e o seu vice juntos e sorridentes, como no seu tempo. Pelas caratonhas na base aérea quando Dilma viajou e despediu-se de Temer, não vimos sorrisos. Diz o ditado popular que dois bicudos não se beijam.
Dilma inicia agora, de fato, o seu governo: ou mostra que sabe fazer política ou fica refém do seu mentor. Senhora presidente, não seja rainha nem mera gerente de projetos. Presida! Saiba ganhar, saiba perder. Somos uma democracia. Compreendemos suas virtudes e seus defeitos. Quem não os tem? Relaxe!
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