O russo comum se ressente da implacável propaganda ocidental que a crucifica, seja na era dos tzares, soviética ou democrática
A Rússia é o maior país do mundo em extensão territorial, ocupando perto de um sexto da parte seca do planeta. Seus extremos estendem-se do Atlântico (Mar Báltico) ao Pacífico, em ilhas acima do arquipélago japonês. Banhada pelos oceanos árticos, pacífico e atlântico, tem acesso a cinco mares relevantes: o do Japão, o Báltico, o Negro, o Mediterrâneo e o Cáspio, a explicar a maior frota de submarinos, inclusive nucleares, silos de mísseis intercontinentais e caças supersônicos necessários à sua integridade. A estratégia militar russa prioriza armas de fácil manutenção, leves e fatais, dispensando bombardeiros e porta-aviões, substituídos por submarinos atômicos, caças supersônicos, satélites militares de controle espacial e territorial e mísseis que partem da terra, da água e do ar.
O russo comum se ressente da implacável propaganda ocidental que a crucifica, seja na era dos tzares, soviética ou democrática, como agora, como potência a ameaçar a Europa, a gosto do complexo industrial-militar dos Estados Unidos (EUA) e União Econômica Euroasiática (UEE), que precisam vender seus caros armamentos. Na contramão dessa falácia, a Rússia é que sempre esteve cercada, ameaçada e invadida, ao longo de sua história. Malformada a Moscóvia, pela junção de suecos e tribos eslavas (boiardos), foi invadida pelo império mongol, pagando-lhe tributos, até que Alexandre III resolveu guerrear e expulsá-los da Europa Central há 450 anos.
Depois, o déspota Napoleão, à frente de um exército de 683 mil homens, a invadiu para tornar-se o senhor da Eurásia. Os russos foram recuando e queimando casas e víveres. Em uma Moscou deserta e parcialmente em chamas, Napoleão esperou dois meses a rendição em vão. Ao retirar-se, desolado, foi implacavelmente perseguido por ataques noturnos e repentinos, a queimar acampamentos e víveres. Quem reportou a campanha fracassada do Imperador francês relatou os horrores de pés, mãos e pernas amputadas por ferimentos em climas abaixo de zero e o terror dos soldados franceses à noite, a ponto de não dormirem de medo. Exércitos inteiros se renderam. Napoleão voltou a Paris a frente de apenas 9 mil homens, em andrajos, intrigando os historiadores a sua permanência no poder de um país em estado de choque.
Na Segunda Guerra Mundial, Hitler direcionou à Rússia, em 1942, dominada a Europa e isolada a Inglaterra, 88% dos seus exércitos. A hoje gloriosa São Petersburgo foi totalmente destruída sem rendição numa batalha que durou um ano. Os alemães chegaram a 6km de Moscou. Toda a indústria russa essencial foi levada para o leste. Seu povo comia nozes e raízes, queimando casas e víveres. Cães amestrados com cargas de explosivos, treinados para buscar comida entre suas esteiras, explodiam os tanques panzer alemães.
A partir de 1943, os russos passaram a ofensiva de todos os lados, numa guerra de tanques e de exércitos inteiros, em forma de pinças, que só terminou com a invasão da Alemanha nazista e a tomada de Berlim. Ficou célebre o soldado plantando a bandeira russa no topo do Bundestag, no coração de uma cidade em ruínas. Ao custo de 22 milhões de mortos entre civis e militares. A Rússia, que no fim da guerra fabricava um tanque por hora, pela segunda vez, livrava o mundo de conquistadores megalomaníacos, primeiro Napoleão e depois Hitler. Nem se pode esquecer a contenção do Império Otomano no mar negro, com forças plantadas na Criméia (1.650 até a 1ª guerra mundial). Esse papel %u2014 Viena, capital do Império austro-húngaro foi cercada duas vezes por muçulmanos turcos – coube à Rússia, em defesa da fé cristã ortodoxa de São Cirilo e São Basílio.
Na Rússia democrática, progressista, capitalista, a fornecer gás e petróleo a toda Europa Ocidental, Central e China, além de ser a segunda maior vendedora de armamentos %u2014 é só ver os fuzis AK %u2014 três assertivas se me parecem inevitáveis: (a) quem ganha dinheiro com a paz não quer fazer guerra; (b) quem tem terras, rios e lagos, para dar e vender, não precisa nem quer invadir ninguém, sua população de 146 milhões de almas se basta; e (c) lá duas coisas me fascinaram: a beleza alegre e o bom gosto das cores branca, dourado, verde, vermelha e azul das cidades russas, mormente Moscou e São Petersburgo (pessoalmente a prefiro ante Paris, bege e cinza, repetitiva) e a lindeza de suas moças, de olhos azuis, esverdeados, cinzentos, acastanhados, em mil combinações. Elas sorriem, sim, e são extremamente corteses. Os homens são sérios, não riem? (É o que dizem alguns). Pouco se me dá! De todo modo, é sempre necessário em geopolítica combinar com os russos.
Se a Criméia é reintegrada ao país após o avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Ucrânia, hoje desprezada, se morrem os espiões na Inglaterra, se Trump respeita Putin, tudo é culpa da Rússia. Chega de hipocrisia. O pensamento único e as ideias que se não discutem nos levam à muda paisagem dos cemitérios. Por tê-los em profusão, o povo russo prefere a algazarra das ruas, bares, restaurantes e parques verdes no verão.
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