Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
Paulo Henrique Rodrigues Pereira é sócio da LACLAW. Visiting fellow do Department of History (Harvard University) e do Afro Latin-American Research Institute (Hutchins Center, Universidade de Harvard) para o ano de 2020/2021. É doutorando em direito pela USP. Dele as ideias que ora darei à estampa!
O debate econômico marcou profundamente o último século da política brasileira de forma tão acentuada que momentos existiram em que ministros da Fazenda foram tão importantes, que acabaram emprestando legitimidade aos presidentes da República.
No regime militar, quando os setores mais conservadores começavam a ver abalada sua fé na ditadura, Delfim Neto usava o seu “milagre” para dar uma sobrevida ao governo dos generais-presidentes.
Até Getúlio Vargas buscou acalmar as elites produtivas dando a chave do tesouro a Horácio Lafer, um príncipe da indústria paulista que prometia uma conciliação entre desenvolvimentismo e liberalismo.
Paulo Guedes entrou nessa seleta lista ao ingressar na “Aventura Bolsonaro”, descendo do pedestal de uma posição consolidada no mercado financeiro para endossar uma candidatura, no mínimo, curiosa. Justificou sua escolha prometendo uma revolução, que não houve.
A sua tese era simples. O Brasil teria parado de crescer pelo aumento do seu custo de produção, cujo principal fator seria justamente a carga tributária (o custo tributário sugaria recursos da sociedade, impedindo-a de investir e crescer). A solução? Retomar ao patamar fiscal dos anos 80, reduzindo os tributos a 20% do PIB. Ao ser perguntado como faria isso, Guedes costumava subir o tom e acusava seus entrevistadores de serem pouco ousados, atribuindo aos jornalistas as máculas da macroeconomia brasileira.
A sua promessa, abstrata, era de redução dos gastos do governo e dos déficits fiscais com reformas, privatizações e liberalizações na economia. Com um custo menor, os tributos poderiam ser reduzidos.
Não é exagero dizer que a gestão Bolsonaro caminha para seu fim. Vale perguntar: qual o tamanho da revolução fiscal de Guedes?.
Não é segredo para ninguém que o sistema tributário brasileiro, seus problemas não se resumem à parcela que o fisco arrecada. O sistema brasileiro é injusto e complexo: dezenas de tributos se acumulam, com regras diferentes entre os três entes federativos, gerando dúvidas, conflitos e dificuldades para o exercício da apuração e do recolhimento destes. Um estudo do Banco Mundial mostrou que o Brasil ostenta a nada confortável posição de ser o 184º país – entre 190 – de uma escala que avalia a facilidade de operar o sistema tributário.
A discussão sobre o tamanho da carga tributária nacional é complexa e envolve um interessante debate sobre o tipo de rede governamental que os brasileiros entendem que o Estado deve prover. Não há debate, entretanto, sobre a disfuncionalidade do sistema e a irracionalidade de submeter cidadãos e empresas a uma operação de dezenas de tributos, com regras, documentos e obrigações acessórias distintas. Existem “taxas” que são impostos estaduais…
Corre por fora o fato de o Brasil ter um sistema regressivo, onde pobres costumam recolher muito mais do que as parcelas mais favorecidas relativamente falando! O princípio da capacidade contributiva é superado pelos impostos indiretos embutidos nos preços dos bens e serviços, gás e de energia.
No começo do atual governo, existiam ao menos dois projetos que prometiam uma reforma estrutural dos tributos: concentração de cobranças, com reunião dos tributos sobre consumo; padronização das regras de apuração; criação de um tempo longo de adaptação; maior transparência na aplicação dos regimes de apuração. Muitos poderiam dizer que as ideias eram descoladas das realidades do setor produtivo.
Timoneiro da nau bolsonarista, Guedes resolveu ignorar a existência dos debates que o antecederam, sob a promessa de entregar à sociedade brasileira uma nova reforma tributária. O ministro nunca foi claro, mas é de se imaginar que pudesse achar as propostas em curso no Congresso tímidas demais. Não promoviam a tal revolução liberal que ele prometera aos brasileiros. Completando 36 meses na cadeira mais importante da economia do hemisfério sul, Guedes minou os caminhos que já existiam, desautorizando os negociadores políticos a trabalharem sobre os textos em análise na Câmara e no Senado, e não apresentou nenhum novo.
A tal revolução liberal se resumiu à tentativa de unificação de duas contribuições que já são, na prática, apuradas como uma (PIS e Cofins) e uma mudança pontual no Imposto de Renda. Ambas deram errado. Talvez a sua mais destacada atuação tenha sido o seu apoio velado à volta da CPMF, que acabaria não acontecendo pela falta de coragem do ministro.
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