Como está, o projeto transmite insegurança jurídica, fruto da permanente tensão entre a ética abstrata e os interesses práticos do PT
O PT precisa assumir o que promete. É ambíguo contumaz. O plenário do Senado aprovou o projeto de lei que trata da regularização de ativos de brasileiros no exterior. A matéria visa tratar dos valores que foram enviados para fora do país sem o conhecimento do fisco, mediante o pagamento de multa e imposto (30%). A presidente deu-lhe aprovação, mas com vetos.
Visa a atender pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil que tenham sido proprietárias desses recursos ou bens em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014. O prazo para adesão será de 210 dias a contar da data de publicação da lei. As exceções são políticos e detentores de cargos públicos e seus parentes até o segundo grau, que, pela proposta, estão proibidos de aderir ao programa de regularização.
O patrimônio que pode ser declarado abrange depósitos mantidos em contas no exterior, investimentos, empréstimos, pensões, ações, imóveis, carros, aviões e barcos particulares, ainda que os três últimos estejam em alienação fiduciária. O único imposto que incidirá sobre os bens será o Imposto de Renda, com alíquota de 15%, mais uma multa de igual porcentual, totalizando 30%.
Os contribuintes que tiverem a adesão aprovada serão anistiados de vários crimes tributários, como sonegação fiscal ou descaminho, além de outros previstos em leis específicas, como a que trata de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A anistia valerá apenas se o contribuinte não tiver sido condenado definitivamente pela Justiça em relação a esses crimes até o início da vigência da lei, mesmo que a ação não se refira ao bem a ser repatriado juridicamente falando.
Pairam dúvidas sobre rendimentos de trusts e frutos, como aluguéis e dividendos recebidos no exterior. Ficam regularizados, já que o acessório segue o principal. Os frutos, doravante, devem ser declarados normalmente, o mesmo regime de quem aplica dinheiro no exterior com ciência do Banco Central e da Receita Federal.
O relator da matéria no Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), discordou de vários pontos inseridos pelos deputados, mas optou por fazer apenas emendas de redação que possibilitem veto presidencial aos trechos polêmicos. Entre os pontos que mais geraram polêmica, está a previsão de que só estará proibido de aderir ao regime de repatriação as pessoas que tiverem condenação penal transitada em julgado. O relator fez mudanças na redação que permitiram ao governo vetar o trecho que tem a expressão “transitado em julgado”, permitindo que reste somente “condenação penal”, proibindo que pessoas que tenham condenação em qualquer instância possam aderir.
O texto original vedava ao Ministério Público utilizar a repatriação dos recursos como indício para iniciar investigação sobre eventual origem ilícita do dinheiro. Esse trecho também teve recomendação de veto pelo senador que relatou o projeto.
Ao todo, o relator sugeriu veto a 14 trechos que ele manteve no texto, mas os deixou com redação pronta para que pudessem ser retirados sem prejuízo da parte principal do projeto. Vários senadores votaram contra a matéria por considerar que ela permite a vinda de recursos provenientes de atividades ilícitas. O texto teve a redação final aprovada por 41 votos a favor e 27 contra. Ora, o conceito jurídico do ilícito implica deixar de fazer o que é obrigatório ou fazer o que é proibido. O próprio ato de evadir recursos às escondidas é crime. Não cabem muitos faniquitos nessa matéria. Anistiar vem da mesma raiz grega de amnésia, que é esquecimento. Anistiar significa esquecer o crime praticado.
Um projeto como esse (e como está) transmite insegurança jurídica de máximo teor, fruto da permanente tensão entre a ética abstrata e os interesses práticos, a marcar o PT ao longo de sua trajetória. Para manter o poder, até furtar é perdoável, como está na genética dos partidos filo-comunistas (os fins justificam os meios).
Um projeto como esse não pode ter a mínima ambiguidade. Das duas, uma: ou se perdoam as remessas de dinheiro ao exterior às escondidas, pagos os impostos e multa (30%), garantindo tranquilidade aos interessados, ou se desiste logo da tese de afrouxar a ética para angariar fundos para um governo falido. É disso que se trata, sem meias palavras. Pruridos éticos, armadilhas e filigranas jurídicas não caem bem a nenhum legislador em situação como essa, mormente num legislador do PT, cuja ética não é lá essas coisas, haja vista o mensalão, as operações Lava-jato, Acrônimo, etc.
Agora mesmo vimos o governo afrouxar a legislação sobre acordos de leniência para permitir às empreiteiras fazer novos contratos com o governo. O PT, assim, mostra que está na linha da lei da anistia, leniente.
Dilma já sancionou o projeto. É lei. Vamos esperar a sua regulamentação. O prazo chega até março do presente ano. Voltaremos ao assunto. Os vetos podem cair.
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