A grande diferença entre a colonização inglesa e a luso-hispânica nas Américas é institucional. A história comprova que onde os ingleses foram explorar os resultados são iguais. Veja-se a África. A colonização na América anglófona e até mesmo francófona na província de Quebec, no Canadá, foram impulsionadas por companhias privadas. Os colonizadores, portando autorizações reais, vieram para ficar e enriquecer no Novo Mundo; ter o que não puderam na pátria de origem, seja por falta de oportunidades, seja por que as lutas fratricidas entre as facções religiosas cristãs os impeliam para a liberdade de culto, a igualdade de oportunidades e a livre iniciativa, libertos dos ranços monárquicos e aristocráticos europeus.
Lá, a aristocracia era formada por senhores do campo, castelos, fábricas, empregos e bancos (revolução industrial nascente), sem falar nos escoceses, galeses e irlandeses, submetidos à coroa inglesa e baldos de esperança na terra natal. A colonização espanhola e portuguesa, ao contrário, foi impulsionada pelas instituições e a burocracia das respectivas coroas imperiais – que estiveram confundidas ao tempo de Carlos II, da Espanha, nada valendo a autonomia dos homens imigrados que para cá vieram, todos a serviço dos reis peninsulares e das instituições reinóis, cujos objetivos visavam tirar o máximo proveito da empresa colonial.
Enquanto os de fala inglesa vieram com esposas e filhos, cães e gatos, como se diz, os filhos da Península Ibérica vieram sozinhos e logo emprenharam índias e negras, especialmente no Caribe, nas zonas quentes do Norte da América do Sul e, de modo quase absoluto, no Brasil, criando um mar de gente, sem eira nem beira, bastardos sem marcas de terra, sem direitos, sem remunerações regulares e sem educação. Mas por toda a América Latina as famílias burguesas dos comerciantes, fazendeiros, mineradores e funcionários realengos viviam em contubérnio com os interesses das coroas imperiais e da nata clerical católica. Aqui a monocultura, primeiro a da cana-de-açúcar, depois do café e do gado, no meio a mineração, regraram a economia até os primórdios do século 20.
Os EUA – numa guerra fratricida mas necessária – extirparam a escravatura e a monocultura do algodão e do amendoim (Guerra da Secessão) e fizeram vitorioso o modo de produção industrial intensivo. Quando a coroa britânica se deu conta, a América já crescera tanto que dela libertou-se já em 1776, antes da Revolução Francesa. Na América ibérica tivemos mais do mesmo. O império brasileiro, desde 1822, foi monoliticamente escravocrata, pró-monoculturista e agrário. A Primeira República assim continuou. O mesmo deu-se com o império espanhol, gerador de mais de 16 países em seu desfazimento traumático em razão das guerras napoleônicas.
Até que ponto – e por isso me delonguei – se parecem o Brasil e a Argentina, os países mais notórios da América do Sul, em seus estamentos sociais e instituições políticas? Passando por cima do caudilhismo criollo (antes da imigração europeia) e pelas eras dos populismos messiânicos dos Peróns e dos Vargas e pelos militarismos nacionalistas e ditatoriais, desembocamos na social-democracia e na era das Dilmas e das Cristinas. O Brasil é mais populoso. Aqui dentro cabem cinco Argentinas. Economicamente, o PIB de São Paulo supera o da Argentina. Somos mais industrializados e nosso agronegócio é maior.
Nossa trajetória de crescimento é mais consistente. A Argentina depende do campo e dos gastos sociais do governo. Onde nos parecemos, mesmo, é no populismo barato, na demagogia, na insistência em calar a mídia, na corrupção endêmica e no regime partidário anódino e amorfo. Aqui 28 partidos se ajuntam e pelo menos 24 colocam-se ao lado do governo, seja ele qual for, para saquear o Tesouro, em obras, contratos, empregos e distribuição do dinheiro público a ONGs e quejandos. Na Argentina, sob o vasto manto do peronismo juntam-se alhos e bugalhos, dúzias de facções personalistas, tão irrisória é a oposição montada pela União Cívica Radical, de Alfonsín (o PSDB deles). O patrimônio de Cristina cresceu absurdamente. Aqui como lá o mesmo se dá!
O fato de sermos governados por mulheres não significa necessariamente avanço. Elas, como eles, são bons ou maus governantes. O apoio das massas tampouco é relevante. Somos sociedades de baixa qualidade política e pouco discernimento. Precisamos de pelo menos mais 20 anos para sermos, além de massas, povos na acepção da palavra, nações maduras. A vitória de Cristina aumenta, ao invés de diminuir, as tensões no Sul do continente. Não me agradou nem um pouco, não favorece a democracia nem o Mercosul, muito pelo contrário, a menos que ela mude! E deve, sob pena da inflação já em 20%, a fuga de capitais e as tentações estatizantes, incluindo a do papel de imprensa, façam a Argentina retornar ao caos.
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