Veja-se a prática católica de malhar o Judas no sábado de aleluia, porque ele, um zelote, delatou Jesus a seus algozes e à morte. Nesse caso, Judas é coautor da maior mística religiosa do mundo.
Preciso dizer, para fazer-me entender, ser o cronista imparcial. Não há quem duvide ser nefasto partido ou agremiação xenófoba, racista e autoritária. A ser assim, perorar contra tendências fascistas não é ser parcial mas democrata. O mesmo se diga das tendências extremadas ou dos exageros dos ambientalistas fanáticos e irracionais, adeptos de uma religiosidade contrária ao progresso econômico – com suas listas de exigências e licenças – de povos ainda subdesenvolvidos como o Brasil. Digo isso para justificar o diálogo responsável com os leitores desta coluna, há uma década voltada aos mineiros.
Certa feita acusaram-me de “tucano” e “antipetista”. Não é verdade. Admiro o verdadeiro PT, o da ética na política e da vocação igualitária, socialmente inclusiva. Votei em Lula, o elegi presidente. Mas vejo hoje o PT desfigurado, envolvido com o mensalão, fazedor de dossiês, oportunista, unido ao que de pior “aí está”, sedento de poder pelo poder. É meu dever combater esse desvio político. Dói-me profundamente ser acusado de antissemita, no sentido de ser contra os judeus (semitas, em verdade, são tanto os árabes como os judeus). Etnia ou povo, os admiro, não apenas pelos sofrimentos por que passaram ao longo de 2,5 mil anos, desde que os Estados de Israel ao norte e Judá ao sul foram destruídos pelos assírios e babilônios, respectivamente, mas pela contribuição humanista, cultural e científica que doaram à humanidade. Nem se diga que formam nações dentro das nações, raiz de todo antissemitismo. Não há o “Protocolo dos sábios do Sião”, foi inventado. Disraeli foi primeiro-ministro do Reino Unido sem qualquer desdouro. Dreyfus foi um oficial dedicado à França, mais até do que os oficiais que o degradaram num dos mais vergonhosos processos da história francesa, felizmente reparado graças ao esforço de inúmeros intelectuais, entre eles Émile Zola, por isso asilado na Inglaterra, e Anatole France. Quem quiser conhecer esse episódio, a um só tempo revoltante e instrutivo, que leia o livro O caso Dreyfus, de Louis Begley, disponível em nossas livrarias. É a mais recente rememoração do caso. O livro J’accuse, de Zola, não é encontrável em português, a não ser em coleções antigas particulares ou em sebos.
Minha formação passa por autores judeus: A filosofia da história de Karl Marx, as teses fundantes de Sigmund Freud, as razões filosóficas de Spinoza, as intuições amorosas de Jesus de Nazaré, na linha de rabinos piedosos, como o seu homônimo Jesus, filho de Sirach. Sou grato a Naftale Katz por ter me curado, amigo e médico. Somos uma civilização (no Ocidente e no Oriente Próximo) greco-romana e judaico-cristão, com todas as ambiguidades dessas expressões generalizantes. Veja-se a prática católica de malhar o Judas no sábado de aleluia (porque ele, um zelote, delatou Jesus a seus algozes e à morte). Nesse caso, Judas é coautor da maior mística religiosa do mundo. Não é artigo de fé, um plano divinamente concebido Deus gerar outro Deus no ventre de Maria, para depois de crescido, pregar a boa-nova e – por vontade do pai – ser imolado como um cordeiro (Agnus Dei) para trazer-nos a salvação? Essa odisseia dá-se na correnteza da história judaica. Se a religião do “Pai” (Javé) manteve-se alheia à seita do “Filho” (Jesus), significa que deva ser perseguida pelo universo cristão, como ocorreu, até a suprema insanidade do shoah sob Hitler? Aliás, recentemente, Umberto Eco escreveu O cemitério de Praga e como já acontecera com O nome da Rosa, quando aproveita a ficção para descrever a Idade Média europeia, agora cuida da unificação italiana, a emergência da Prússia, a queda de Napoleão III e a ressurgência republicana francesa. Expõe o clima político da época em Paris, as lutas, intrigas e dossiês fabricados por jesuítas, republicanos, monarquistas, contra livres pensadores, maçons e judeus. No fecho do livro diz: “Afora os personagens e situações, tudo o mais que foi descrito é a pura verdade”. Daí o caso Dreyfus.
Por ser liberal, sou contra os preconceitos em qualquer campo, o que não me impede de ser contra o partido direitista Likud em Israel, e avesso à política anexionista e usurpadora ora vigente, desrespeitosa dos direitos humanos dos palestinos. É preciso distinguir a história, a religião, o Estado, os israelenses e os judeus, cidadãos prestantes em inúmeros países, antes de colar no peito das pessoas a pecha de antissemita. Recuso a intimidação.
O ser humano é igual na essência. O que os destingue são os “valores”, “crenças”, “interesses”, “religiões” e principalmente as ideias de “raça”, “nação” e “classe”. Daí a insanidade que o nosso mundo é. Abaixo os preconceitos. Existam as diferenças, prevaleça a humanidade e o humanismo, sem adjetivos.
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