É preciso, como nunca, fixar o real alcance dos princípios basilares que respaldam o exercício do poder de tributar e garantem os direitos dos contribuintes
Tanto quanto o direito penal, o direito tributário registra, ao longo de sua evolução histórica, a luta indormida dos povos para submeter o poder dos governantes ao primado da legalidade. O jus puniendi e o jus tributandi foram, antanho, absolutos. Hoje, todavia, repete-se por toda parte: nullum tributum, nulla poena sine lege. Assim o quer a consciência jurídica hodierna.
É preciso, como nunca, fixar o real alcance dos princípios basilares que respaldam o exercício do poder de tributar e garantem os direitos dos contribuintes: (a) o princípio da legalidade; (b) o princípio da anterioridade da lei em relação ao exercício de sua aplicação; (c) o princípio da irretroatividade da lei tributária, a não ser para beneficiar.
Os princípios jurídicos da legalidade, seja formal, seja material (tipicidade), anterioridade e irretroatividade da lei tributária encontram justificação singela e promanam diretamente da experiência dos povos: (a) o princípio da legalidade significa que a tributação deve ser decidida não pelo chefe do governo, mas pelos representantes do povo, livremente eleitos para fazer leis claras; (b) o princípio da anterioridade expressa a ideia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo, dessa forma, organizar e planejar seus negócios e atividades; (c) o princípio da irretroatividade da lei tributária deflui da necessidade de assegurar-se às pessoas segurança e certeza quanto aos seus atos pretéritos em face da lei.
Indiretamente, a existência desses princípios obriga os governantes a planejar com um mínimo de seriedade e antecedência a política tributária.
Sabedor o Executivo de que a sua política tributária para o próximo ano será necessariamente discutida no Parlamento, certamente procurará fundamentar sua proposta sopesando os reflexos econômicos, sociais e políticos que hão de resultar para a comunidade. Cessa a improvisação, a irresponsabilidade e o imediatismo com que muitas vezes os governos autoritários praticam a tributação, ao arrepio dos mais comezinhos princípios jurídicos, desorganizando a economia e desorientando a comunidade. O respeito aos princípios jurídicos acima delineados, por parte dos governantes, em contrapartida, acarreta três efeitos de suma importância: (a) assegura aos governados tranquilidade, confiança e certeza quanto à tributação; (b) assegura ao governo o respeito dos governados; (c) compartilha o governo com o Parlamento a responsabilidade pelos rumos da política tributária, como sói acontecer nas verdadeiras democracias.
Ficam, assim, assentadas, desde o preâmbulo, as implicações políticas que tais princípios jurídico-constitucionais trazem no seu bojo, assim como a amplitude dos seus desdobramentos sobre os interesses das comunidades organizadas em nação. Advirta-se, ademais, que os referidos princípios são conexos e entrecruzados. O princípio da legalidade exige lei para a regulação dos tributos, enquanto o da anualidade se reporta à eficácia ânua que a lei tributária obtém da sua inserção no orçamento. O princípio da anterioridade se fixa na necessidade da existência prévia da lei em relação ao exercício da cobrança ou exigência do tributo.
Noutro giro, pode-se afirmar que o princípio da legalidade tem supedâneo na requisição do nullum tributum sine lege, enquanto os demais trabalham a ideia da lege proevia (prévia lei). O que os diferencia é exatamente a lei a que se referem conectada com tempo do contribuinte. No caso do princípio da anualidade, é a lei material inserida no “tempo” do orçamento.
Nos casos da irretroatividade e da anterioridade, é a lei material em relação ao futuro e ao passado. Quanto ao fato passado, não pode a lei retroagir para dizê-lo jurígeno, gerador de obrigação. Quanto ao fato futuro, deverá a lei, previamente, defini-lo como demiúrgico (criador de dever jurídico-tributário). Não se discute a importância dos princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade e anualidade. Por irrecusável, veja-se a conexão com as necessidades cada vez mais presentes do princípio da segurança jurídica.
Entre os publicistas da vanguarda, a essentialia do conceito de segurança jurídica residiria na possibilidade de previsão objetiva, por parte dos particulares, de suas situações jurídicas. A meta da segurança jurídica seria, então, assegurar aos cidadãos uma expectativa precisa de seus direitos e deveres em face da lei.
Tal como posta, a segurança jurídica abomina a casuística dos regulamentos e a incerteza proteiforme das portarias e demais atos da administração. Dado que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, a segurança jurídica a que faz jus o contribuinte entronca diretamente com a tese ou princípio da “proteção da confiança”.
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