Politizaram a vacina

Não se deve esperar qualquer atitude de estadista de Bolsonaro diante da COVID-19

Contra um vírus letal o melhor é ser pragmático. Todas as vacinas, não importa de onde venham, devem ser usadas se comprovadamente eficazes. Há varias no último estágio de testes (fase 3) e é possível que até janeiro alguma esteja disponível. Parecem mais adiantados os imunizantes que estão sendo elaborados pela AstraZeneca e Universidade de Oxford, que no país será fabricada pelo Fiocruz, e a Coronavac, da chinesa Sinopec, que no Brasil será produzida pelo Instituto Butantan.

O governo brasileiro seguiu o caminho correto, ao realizar acordos de compras iniciais dessas duas vacinas, de 140 milhões de doses da AstraZeneca e 46 milhões da Sinopec. Antes de contrair a COVID-19, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, havia anunciado acordo para aquisição da Coronavac, só que não.

O presidente Jair Bolsonaro, após a sua dose diária das mídias sociais de apoiadores, decidiu anular o que Pazuello fizera. “Toda e qualquer vacina será descartada por enquanto”, disse. Propagandista da hidroxicloroquina (estudos apontam como ineficaz contra o novo coronavírus), o presidente disse que “a vacina precisa de comprovação científica”. Ora essa!

Bolsonaro bradou porque Pazuello se mostrou aberto à vacina cuja produção foi negociada pelo governador paulista, o tucano João Doria, um concorrente certo à Presidência em 2022. Doria, que não perde a oportunidade de aparecer, e as redes sociais tucanas a batizaram de “a vacina do Brasil”. Irritado, Bolsonaro se referiu a ela como a “vacina da China”, da mesma forma que, para o presidente Donald Trump, o Sars-CoV-2 é “o vírus chinês”. São dois ridículos. Vírus e vacinas agora têm certidão de nascimento. É estupidez.

Assim, a campanha presidencial tem novo capitulo sanitário, com disputas e demagogia – antes mesmo da existência de vacinas… Somente no Brasil do Bozo.

As vacinas testadas ao redor do mundo, com chances de virem a ser comercializadas, marcam um feito científico notável. Elas levam muito mais tempo para ser desenvolvidas, e a mais rápida até hoje consumiu cinco anos. Dadas a escala da ameaça e a magnitude de demanda, na casa de bilhões de doses, é impossível ter certeza sobre quando estarão disponíveis. O governador João Doria, manobrando politicamente, anunciou a vacina para dezembro, fato que o colocaria como pioneiro na introdução da vacina contra a COVID-19 no país.

O presidente não quer deixar espaço político a Doria, a quem rivaliza por ser o mais sério competidor no campo da direita, que se tornou quase monopólio de Bolsonaro. Na eleição para governador que venceu em 2018 – depois de prometer que jamais abandonaria seu mandato de prefeito –, Doria flertou com o apoio de Bolsonaro e escalou sua campanha de ataques virulentos ao PT, como fez o presidente.

O governador usa a vacina como trunfo, enquanto monta uma aliança partidária forte que reúna a centro-direita, a partir do DEM, embora esta possa esbarrar em seu partido, o PSDB. Bolsonaro, igualmente, uniu-se e reúne parte do Centrão para proteger seu mandato e trampolim para a reeleição.

Não se deve esperar qualquer atitude de estadista de Bolsonaro diante da COVID-19.

Desde o começo, nunca reconheceu a calamidade pública que o contágio representava e foi parco em apoio às vítimas, que já somam mais de 160 mil. Durante o auge da crise, atrapalhou Ministério da Saúde, após a saída de dois ministros; escolheu um general que nada entende do assunto, porque queria alguém que obedecesse às suas ordens; condenou o uso de máscaras. Um idiota!

Sua reação à perspectiva de haver uma vacina anunciada por Doria foi imediata: disse que não será obrigatória. Para Bolsonaro, uma vacina é secundário, pois nunca viu nada que impedisse as pessoas de trabalhar, como disse várias vezes. Sua maior preocupação é impedir que ela beneficie concorrentes. Doria vislumbra um potencial eleitoral em quem sair na frente na corrida pela imunização. A disputa política sobre o assunto é, assim, mesquinha. Para a população, importa mais aniquilar a COVID-19 do que cálculos políticos matreiros, como está dito no jornal de negócios O Valor.

A legislação de combate à pandemia prevê a possibilidade de que uma determinada vacina seja comprada e distribuída no país sem a necessidade de autorização prévia da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A previsão abriria uma brecha para que estados e municípios organizassem programas de imunização independentemente de eventuais ações em contrário por parte do governo federal.

O artigo 3º da Lei 13.979, aprovada em fevereiro deste ano, autoriza, excepcionalmente e em caráter temporário, “a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, considerados essenciais para auxiliar na luta contra a pandemia”.

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