O Plano Real estabilizou os preços relativos unificados na URV e inaugurou, desde então, uma nova etapa no processo de controle de nossa economia
Estamos no ano em que o Plano Real faz bodas de prata (25 anos). Deu certo no Brasil pela primeira vez um plano heterodoxo, conduzido por uma equipe liberal – tanto como Guedes, atual ministro da Economia. Mas qual o elemento heterodoxo do Plano Real? Todas as tentativas de congelamento de preços no Brasil tinham fracassado, exatamente por isso. A lei não substitui o mercado (a oferta e a procura). Eram diques que barravam os preços. Uns estavam mais defasados que outros. O governo controlava preços e havia “mercados negros”, sempre. Os mais defasados chegavam ao topo do barramento e desciam rio abaixo. Em seguida, como na barragem de Brumadinho, os lamaçais dos preços contidos geravam um aumento generalizado no valor dos bens e serviços.
O Brasil, até então, convivia com inflações de preços que chegavam, muitas vezes, a 200% ao ano. Nos acostumamos – para espanto do resto do mundo – a incluir o NIE (nível de inflação esperada) em qualquer planejamento. Havia coisas impensáveis. Casas de eletrodomésticos vendiam abaixo do preço de compra na fábrica. Como tinham 90 dias para pagar, recebiam à vista e aplicavam o recebido no mercado financeiro e, incrível, tinham bons lucros. Éramos viciados em inflação.
O elemento heterodoxo do Plano Real foi a URV, uma “moeda virtual” em “paridade” com o dólar. Os preços correntes eram convertidos em URV, o que permitia equalizá-los e saber, em relação ao dólar, o valor real dos preços de bens e serviços praticados na economia.
Então, em dado momento, os preços relativos da economia estavam harmônicos entre si, cotados em URV. Duas providências foram tomadas: (1) a URV virou a moeda do Brasil, o real, e este foi ancorado no dólar. Você poderia trocar real por dólar na paridade. O real chegou a valer mais que o dólar, em certos casos, e sem intervenção do Estado. Os próprios agentes do mercado chegaram a tanto. Parecia mágica. Os preços se estabilizaram, mas a paridade com o dólar obrigatória (um por um) durou demais. Estava prevista a “flutuação” após seis meses. Essa demorou e a mágica perfeita teve alguns furos em razão de acontecimentos do próprio mercado livre.
A chamada âncora cambial imaginada por Pérsio Arida, Gustavo Franco, André Lara Rezende, Edmar Bacha e outros economistas, a maioria da PUC/Rio e Fundação Getulio Vargas (FGV), entretanto, funcionou muito bem, tanto que quem viveu antes do real e tem entendimento, olha hoje uma inflação anual de 3,7% como um verdadeiro milagre (em verdade, é uma inflação relativamente alta).
O Plano Real estabilizou os preços relativos unificados na URV e inaugurou, desde então, uma nova etapa no processo de controle de nossa economia que se desenvolveu mais aceleradamente, vindo a ser travada novamente no governo Dilma, não vindo ao caso, agora, fazer-lhe as críticas devidas. É preciso mirar o futuro e nele está embutida a inexigência de correção monetária devidamente substituída pelos chamados juros moratórios ou multa moratória legal e/ou contratual, como nos países centrais.
Se tudo ocorrer como esperamos com Guedes, estamos no limiar de uma nova etapa. O fato dramático é que precisamos crescer entre 4% e 5% ao ano para tirar o atraso – culpa do PT – e alcançar um patamar, em 2030, de uma renda por cabeça anual de pelo menos US$ 26 mil (tomando por base o poder de compra real da moeda nacional), com inflação baixa e menores desigualdades sociais e regionais.
É que daqui a duas décadas a informatização da economia pouco necessitará de mão de obra braçal nas cidades e no campo. Estamos no limiar da civilização do lazer, onde diversão, ciência, educação e serviços predominarão. Anda, Guedes. Precisamos correr. Os instrumentos para tanto são vários: privatizar, exceto o BB, a Caixa e o controle da Petrobras; as parcerias público-privadas e a concessão de todas as atividades econômicas da União e dos estados-membros da Federação.
Estamos com uma década perdida. Retroagimos a 2010 em quase todos os indicadores, enquanto o mundo crescia. Essa é a nossa última oportunidade de criar uma economia florescente de renda média na América do Sul (para liderá-la), ultrapassando o Chile e a Colômbia, cujos índices per capita são hoje melhores do que o nosso, embora o nosso potencial econômico, população e diversidade industrial, no campo e na cidade, sejam incomparavelmente superiores para levar à frente a empreitada. Apenas nos faltam planejamento, liderança e vontade persistente do governo e do empresariado.
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