Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
O Brasil sobreviverá. Surpresas positivas nos indicadores econômicos do primeiro trimestre de 2022 levaram a sucessivas revisões altistas nas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB).
A consolidação da vacinação e seu impacto sobre a reabertura tem estimulado a continuidade da normalização do setor de serviços. A injeção adicional de estímulo fiscal via transferência direta para famílias (expansão do Auxílio Brasil, liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço/FGTS) e reajustes salariais dos entes subnacionais melhoram a perspectiva do setor varejista no curto prazo. A continuidade do processo de readequação de estoques, somada a comportamento mais dinâmico da demanda doméstica, tem levado a um melhor desempenho da indústria.
No entanto, esse bom desempenho da atividade em 2022 tem sido acompanhado por uma aceleração inflacionária e contínua e a desancoragem das expectativas de inflação. Como resultado, há a necessidade de aperto monetário adicional, e esse tem sido realizado pelo Banco Central (BC). Destacamos que os impactos dessa contração freiam o crescimento (peculiaridades do processo de retomada). O setor de trabalho intensivo teve seu desempenho afetado pelas restrições de mobilidade.
A retomada tardia do setor estimula o dinamismo do mercado de trabalho. Ademais, as recorrentes injeções fiscais de recursos contribuem para a resiliência da massa salarial. A resultante desses fatores é que as defasagens de política monetária tendem a ser maiores do que as usuais…
A política monetária contracionista tende a ter como vetores negativos à normalização dos serviços prestados a famílias e a adequação dos estoques dos setores industriais subestocados. Contudo, a continuidade da fragilidade fiscal representa vetor negativo em 2023.
A boa notícia da atividade nesses últimos meses – o desempenho do mercado de trabalho – também tende a enfraquecer. A composição do PIB de 2022, com crescimento concentrado em trabalho intensivo, leva a um excelente ritmo de criação de postos de trabalho. No entanto, a supracitada normalização de serviços, somada à perda de dinamismo do crescimento, tende a impactar o emprego e a massa salarial, representando vetor negativo para o próximo ano, seja quem for o presidente eleito em outubro.
O cenário internacional será mais desafiador. A aceleração inflacionária, com fortes indícios de superaquecimento da economia dos Estados Unidos, demandará do Federal Reserve uma resposta contundente. A demanda agregada seguiu crescendo de maneira forte no começo do ano. O mercado de trabalho apertado, tanto em termos de taxa de desemprego quanto em ganhos salariais, num contexto de aceleração da inflação de serviços – tal como demonstrado pelos últimos dados divulgados – complica ainda mais o panorama inflacionário. Como resultado, é esperada a desaceleração da atividade americana, e há risco de recessão (dois trimestres seguidos com taxa de crescimento negativo).
Em paralelo, as perspectivas para a economia chinesa com a reafirmação da política de tolerância zero contra a COVID-19 tornam a dar sinais de aquecimento. Os dados chineses sobre consumo de bens e serviços estão dentro das expectativas, com as medidas de distanciamento gerando impacto menor que o projetado. Houve momentânea queda na produção industrial e exportações, afetando a oferta global de diversos produtos e insumos. Como resultado, tem-se observado sucessivas revisões baixistas das projeções para o PIB chinês e a chance de a meta de crescimento para o PIB vir a ser de 5,5% (os analistas têm projeções entre 5% e 6,5%). Baixistas, dizemos nós, em se tratando do gigantismo da China. Qualquer outro país dar-se-ia por supersatisfeito, mas a perspectiva pior de crescimento resulta em menor inflação.
Vale a ressalva, porém, de que a concretização de um processo desinflacionário tem como condição necessária a exportação a preços competitivos, favorecendo a China intensamente (mais unidades por menores preços unitários). Com os EUA sendo “obrigados” pelo FED a ir para a recessão, a situação da UEE torna-se periclitante. Logo o mercado está aberto para a China. É muito difícil e improvável contê-la!
Por fim, destacamos que esse prognóstico preocupante pode ser atenuado pelo fortalecimento da agenda que visa ao aumento da produtividade da economia e melhora do ambiente de negócios. Um consenso atual é que uma das consequências da crise resultante da pandemia é a regionalização das cadeias produtivas, com países buscando diminuição de sua dependência produtiva do ponto de vista geográfico. E o Brasil tem potencial de ser destaque nesse processo, apresenta parque industrial diversificado, grande mercado consumidor e distância de epicentros de conflitos internacionais.
É ruim comparar Lula a qualquer líder atual. Tem seu modo de fazer e fará um governo realista. Ele sabe muito do país que irá receber, depois do derrame monetário do populista Bolsonaro.
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