A juventude iraniana não é passiva, já pelo nível cultural, já pelo passado recente de liberdade
Trata-se de uma ex-juíza cassada pelo governo liberticida dos aiatolás do Irã, por discordar do espezinhamento dos direitos humanos na República islâmica, além de ser a patrona do direito à igualdade das mulheres em qualquer lugar do mundo, especialmente na antiga Pérsia, com 5 mil anos de tradição cultural, berço das raças e das línguas indo-europeias derivadas do sânscrito (que eles falavam há 7 mil anos). São as línguas do Norte da Índia, depois da conquistada pelos árias ou arianos oriundos da Pérsia, e os idiomas gregos, neolatinos, germânicos, alírios e eslavos. A propósito, árabes e judeus falam línguas semíticas, cuja origem é afro-asiática, outro tronco cultural e linguístico, que se fez importante pela peculiaridade de engendrar as religiões patriarcais ditas reveladas (do tronco do judaísmo derivaram o cristianismo e o islamismo).
Shirin Ebadi, autora de importantes livros, perdeu o marido e pôs em risco seus familiares por advogar pro bono (sem remuneração), em favor dos perseguidos políticos e das mulheres iranianas contra os atos brutais da ditadura comandada pelos clérigos xiitas. Esteve entre as principais figuras, embora já fora do Irã, da “rebelião verde” – grandes manifestações de massa –, depois das eleições fraudadas que garantiram o poder de Mahmud Armadinejad. O Irá é um país de 75 milhões de habitantes, cujos jovens, homens e mulheres, nem se lembram da Revolução Islâmica ocorrida em 1979, que transformou o Irã – até então comandado pelo xá Mohammad Reza Pahlevi – de uma monarquia autocrática pró-Ocidente, em uma República sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini. Para efeito de análise histórica, a Revolução Iraniana é dividida em duas fases: do aiatolá Khomeini, e pouco da guerra (1980-1988) movida por Saddam Hussein (Iraque), então armado pelos Estados Unidos. O que eles sentem é a opressão cada vez maior do regime e o empobrecimento do país em razão das sanções da Organização das Nações Unidas (ONU). Querem liberdade, igualdade e progresso, sob um governo laico, como o dos turcos (que tampouco são árabes, porque oriundos da Ásia Central).
A juventude iraniana não é passiva, já pelo nível cultural, já pelo passado recente de liberdade. Os EUA apoiaram e armaram o Iraque de Saddam (sunita), porque, depois de derrocar o advogado Mossadegh, social-democrata, que nacionalizou as companhias petrolíferas, impuseram aos iranianos uma monarquia pró-ocidental e elitista, comandada pelo xá da Pérsia, Reza Pahlevi, por sua vez derrubado por Khomeini, artífice do feroz regime xiita hoje vigente. Usaram o Iraque para recuperar o Irã e acabaram por levar ao poder, também no Iraque, os xiitas, que não admitem a separação entre o Estado e a religião. Terá sido ingenuidade, uma trapalhada de George W. Bush ou trata-se do velho lema da pérfida Albion, adotado pelo Partido Republicano: dividir para reinar? De fato, a ascensão xiita desgostou a Arábia Saudita, o Egito e a Síria (alauita), complicando ainda mais o tabuleiro político do Oriente Próximo, objeto de cobiça pelo petróleo, que tem em abundância.
Shirin Ebadi recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2003, disputando a honraria com o papa João Paulo II. Recentemente, nos EUA, pela sua indormida luta em prol dos direitos humanos, marcou presença na ONU. Conquanto muçulmana, seu discurso foi apoteoticamente aplaudido. Defendeu a tese da igualdade entre homens e mulheres e a prevalência do indivíduo e dos direitos humanos ante os governos deste mundo. O Islã – que tem em Abraão, caldeu-babilônico de sangue, nascido em Ur, atual Iraque, seu mentor monoteísta, assim como o judaísmo, que depois o adotou como patriarca –, segundo ela, deve separar a religião de cada um, fé íntima, dos direitos humanos e dos negócios do Estado, que só pode ser democrático. Nessa toada, estranhou que Lula não defendesse as mulheres e os sindicalistas presos no Irã, preferindo abraçar o tirano Armadinejad. Sequer poupou os EUA, por criarem resoluções contra o Irã e aplicar-lhe sanções que prejudicam o povo, mas que, em desfavor dos oprimidos palestinos, não faz o mesmo com Israel, o maior e mais contumaz desrespeitador das resoluções da ONU. O Estado de Israel não é sancionado, porque os norte-americanos não deixam, pelo poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. O mesmo a China faz em relação à Coreia do Norte.
Ebadi é radical e justa. A última parte do discurso – ela falou em farsi (persa) – não apareceu na tradução em inglês e, portanto, não repercutiu nas outras línguas. Na verdade, a censura funcionou. Jorge Pontual, correspondente da TV Globo em Nova York, relatou o fato pessoalmente à brava iraniana. Shirin Ebadi disse não ter notado mas que iria protestar veementemente. Depois ainda falam mal do Wikileaks! Parabéns a Shirin Ebadi e Pontual. Sobre o futuro do Irã, pediu a ajuda do mundo. Não se trata de bombardear o seu povo oprimido, mas de livrá-lo da opressão. Terminou com bom humor: “Nas universidades do país, corre o chiste dos mulás quererem levar os alunos para o céu à força, negando-lhes liberdade de escolha. Ora, isso é o inferno” (risos).
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