Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.
Assis Moreira nos diz das dificuldades no abastecimento internacional de componentes para produção de vacinas anti-Covid, que podem ter impacto e sugerem que é preciso ter cautela em relação às expectativas do governo brasileiro sobre o volume de doses que deve chegar ao país. Os anúncios são esses: o Ministério da Saúde tem contratos de compra de 100 milhões de doses da Coronavac (produzida pelo Butantan) e de 214 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford (a maior parte produzida pela Fundação Oswaldo Cruz). As duas dependem de insumos ativos importados.
O ministério contratou também 100 milhões de doses da Pfizer – a serem importadas – e esta semana anunciou que está prestes a assinar um novo contrato para mais 100 milhões do laboratório. O ministro Marcelo Queiroga afirmou que só com a Pfizer (que, segundo ele, poderia totalizar a entrega de 135 milhões de doses este ano) seria possível vacinar metade da população brasileira. Parece fácil. Fontes da indústria farmacêutica consultadas pelo Valor negam que os desafios da cadeia de abastecimento tenham desaparecido – embora os principais fabricantes de vacinas tentem atender às demandas nos prazos acertados. Mas será impossível. O Brasil se atrasou.
“A cadeia global de fornecimento continua muito instável”, confirmou a diretora-adjunta da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariangela Simão, diretamente envolvida com a questão das vacinas. “Problemas com suprimento de diferentes insumos na cadeia de suprimentos continuam tendo impacto na disponibilidade de vacinas. Afetam todos os produtores”, disse ela.
Representantes da indústria farmacêutica de países desenvolvidos e de nações emergentes, reunidos recentemente em Genebra, pediram medidas urgentes dos países para remover barreiras no fornecimento de certos componentes necessários para os laboratórios alcançarem metas de produção de vacinas anti-Covid. Consideraram “particularmente” a escassez global de alguns dos mais de 100 componentes e ingredientes e citaram como exemplo a falta de lipídios necessários nas vacinas de mRNA (RNA mensageiro), tubos e sacos plásticos. Uma porta-voz de Pfizer disse nesta semana que a vacina da companhia requer 280 componentes de 86 fornecedores em 19 países, além de pessoal e equipamentos altamente especializados.
O Butantan tem registrado dificuldade no recebimento de insumos ativos da China, a maior produtora, e a direção da Fiocruz informou em abril que o maior risco para sua produção é a falta de insumos – embora isso não tenha ocorrido até o momento.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta a existência de taxas sobre vacinas em 22% das economias. As tarifas médias mundiais sobre ingredientes de vacinas, como conservantes, adjuvantes, estabilizadores, antibióticos, variam entre 2,6% e 9,4%. A produção, distribuição e administração das vacinas necessita também de itens como freezer, caixas frias, gelo seco, transportador de vacina, rolhas, frascos de vidro, seringas e agulhas. Entre os principais produtores estão EUA, China, Alemanha, Irlanda, Bélgica.
Os EUA são um dos países que atualmente restringem a exportação de vários componentes com seu Defense Production Act (DPA), para reservá-los à produção nacional. Washington liberou a exportação de vários insumos sobretudo para a Índia produzir vacinas, em meio à explosão de novos casos naquele país. O governo de Joe Biden está sob pressão para aceitar flexibilização na proteção de patentes e permitir produção maior em nações em desenvolvimento, que mais necessitam desesperadamente de doses contra o vírus.
Anthony Fauci, principal assessor médico de Biden para a pandemia, sugeriu aos fabricantes de medicamentos agirem, seja expandindo muito sua capacidade de fabricação para atender a outras nações a “um preço extremamente reduzido”, seja transferindo sua tecnologia para permitir que o mundo em desenvolvimento faça cópias baratas. “Eu sempre respeito as necessidades das empresas para proteger seus interesses, para mantê-las no negócio, mas não podemos fazê-lo completamente às custas de não permitir que a vacina que salva vidas chegue às pessoas que precisam dela”, afirmou.
A AstraZeneca, por exemplo, tem capacidade de produção de 3 bilhões de doses, inferior em 121 milhões de doses às encomendas que aceitou. Já a Pfizer tem produção estimada de 2,5 bilhões de doses para este ano comparados a encomendas fechadas de 2,19 bilhões de doses.
Apesar dos desafios globais da cadeia de fornecimento para os produtores de vacinas, a Airfinity calcula, com base na produção e nos contratos de fornecimento de vacinas, que 100 países terão vacinado sua população com mais de 50 anos de idade até o fim de setembro.
O Brasil ainda não vacinou sequer 25% da população.
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