A solidariedade é sobrevalor típico da Teoria dos Impostos. A Constituição refere-se à solidariedade como valor jurídico-axiológico. O artigo 3º, I, da Constituição Federal de 1988 preconiza uma nação justa e solidária. É um comando especialmente no campo dos impostos, onde a capacidade contributiva, a pessoalidade, a progressividade e, até mesmo, a seletividade, a proporcionalidade e o não confisco são valores positivados em princípios concretos, a serem observados pelo legislador.
No artigo 195, a Constituição preconiza uma seguridade social solidária, por isso a existência de impostos afetados a esse fim, embora com o nome de contribuições: PIS, Cofins, CPMF, CSLL, para atender aos mais necessitados, às expensas de pagantes que contribuem sem receber em retorno algum especial benefício, em exceção expressa do artigo 167, IV, da CF/88, que proíbe a afetação de impostos a órgão, fundo ou programa, por razões políticas e práticas.
A solidariedade, pois, não é adequada ao campo específico das contribuições sociais ou interventivas verdadeiras, movidas pelo princípio da contravantagem específica, em prol de grupos sociais. O cooperativismo, o mutualismo, a seu turno não se estribam, assim como as associações e sindicatos, no valor solidariedade, mas na comunhão concreta de interesses econômicos e sociais. Esses grupos são solidários entre si. A solidariedade refulge com esplêndido vigor na teoria dos impostos, livrando, inclusive, os entes paraestatais, públicos e privados, com ou sem fins lucrativos, mas sem ânimo de distribuir lucro, dos ônus fiscais.
Nesses tempos confusos, conspurcando a axiologia jurídica, fala-se em solidariedade justamente para ofender a liberdade e a isonomia, em prol da injustiça fiscal e do autoritarismo, a pretexto de se estar fazendo justiça social. A jurisprudência e a doutrina, ainda que minoritárias, arrazoam em nome da solidariedade quando abordam as contribuições. Essa erronia é insuportável. O valor solidariedade enraíza-se nos impostos, jamais nas contribuições verdadeiras, que são sinalagmáticas.
O tributo, em última análise, é uma forma de financiar o Estado. É a finalidade de todo tributo. Na teoria da norma jurídico-tributária, como estrutura lógica, todavia, não encontra ela guarida. A finalidade não está na hipótese de incidência (descritor-fático), nem no comando jurídico (prescritor jurídico), pela simples razão de ser a “finalidade” uma prescrição endereçada ao instituidor de tributos e ao gestor da despesa pública. A finalidade do produto da arrecadação está fora da relação tributária, embora esteja dentro do Direito Tributário previsto na Constituição.
As hipóteses de incidência das normas tributárias contêm descrição de fatos. É importante, assim, repisar quais os aspectos mais salientes da descrição. Em primeiro lugar, há o aspecto material, a descrição do fato mesmo. Depois, o fato ou fatos são devidamente enquadrados nas coordenadas de tempo e lugar. Daí advirão os aspectos temporal e material da hipótese de incidência. O fato, assim, passa a se qualificar em função dessas coordenadas espaço-temporais. Mas não é só. É inegável a autonomia de um aspecto pessoal na hipótese, como acabamos de ver, especialmente nos tributos que têm hipóteses de incidência baseadas em atuações estatais. É preciso identificar qual a pessoa jurídica que promove a autuação, i.e, o fato jurígeno, pois será ela o sujeito ativo da obrigação no prescritor da norma.
Há fatos já descritos (aspecto material) e situados no espaço e no tempo, que só ganham sentido se conotados com certas qualidades das pessoas. (Daí termos acrescentado mais um elemento à topografia básica da hipótese de incidência das normas tributárias.) Quanto ao fato mesmo (aspecto material), é mister frisar que necessariamente terá que ser um fato lícito. Se o fato for ilícito, não teremos tributo, mas multa (norma sancionante), pois toda regra punitiva tem como hipótese, como suposto, um fato ilícito, razão para a aplicação da sanção. O fato, sobremais, não poderá ser contratual (não se contrai dever tributário por querer, por avença, ex contractu). O fato jurígeno que desencadeia o dever de pagar tributo é previsto unilateralmente. Corresponde aos deveres heterônomos referidos por Kelsen, impostos ab extra por uma vontade estranha à da pessoa destinatária do dever. As hipóteses de incidência das normas tributárias decorrem de descrições legislativas de fatos lícitos que possuem virtude jurígena, ex lege, contendo quatro aspectos: material, temporal, espacial e pessoal.
No que concerne às consequências das normas tributárias, temos que além dos pontos relacionados por Barros Carvalho – sujeitos ativo e passivo e base de cálculo e alíquotas –, outros aspectos são encontradiços, todos pertinentes à relação jurídica que se forma com a realização da hipótese de incidência: como, onde, de que modo, quando, em que montante se vai satisfazer o débito em favor do sujeito ativo.
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