O STF e o mensalão

Os ministros fundamentam seus votos justificando seu julgamento perante a Nação num belo espetáculo de democracia e seriedade.

Como escrevi neste espaço, antes do início do julgamento do “mensalão”, os trabalhos desenvolvem-se como previ. Dissera como se comportariam os advogados (destaco a alta qualidade dos mineiros, sem exceção, em face dos paulistas tidos por excepcionais). Comportaram-se como previra, atacando inclementemente a peça de acusação, a enfraquecê-la, criando a expectativa de que o julgamento seria parelho, sobre alimentar ademais a velha tese de que os poderosos não são punidos em nosso país. Cada qual exerceu o seu papel.

Contudo vencida a etapa defensiva, a obscurecer a articulada acusação do Ministério Público, exposta por “núcleos” (o financeiro, operacional e o político), seguiu-se-lhe o trabalho do ministro relator, homem culto, formado na francesa Sorbonne e nos maiores centros jurídicos da Inglaterra, Alemanha e EUA. Influenciado, quiçá, pelas técnicas de julgamento inglesas, adaptou seus relatos e votos à cronologia dos fatos de modo a torná-los inteligíveis. Começou pelo item três da acusação e anunciou mais itens e subitens. Os advogados protestaram e o ministro revisor, tomado pela surpresa, a destemperar a receita da revisão, chegou a anunciar a sua renúncia ao mister de criticar, concordar ou eventualmente discordar do ministro relator, como é de praxe, a bem do devido processo legal e da imparcialidade da Corte.

Mas, intramuros, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria esmagadora, deu razão ao relator e ao seu itinerário. O ministro Joaquim, cuja integridade jamais foi questionada no STF, concorreu para a solução do impasse. De notar, a balbúrdia anterior causada pela proposta do revisor de explodir o processo do mensalão, desestruturando-o, a manter no Supremo apenas o julgamento dos réus com prerrogativa de funções, ou seja, os detentores de cargos políticos. Matéria preclusa, superada, foi logo ultrapassada no voto, vencidos o revisor e o ministro Marco Aurélio.

Atrasou-se uma sessão do cronograma de julgamento e abriu-se ensanchas à injusta suspeita de que o revisor estava a serviço da delonga processual dos advogados, temerosos, segundo alguns comentários, do voto experiente do ministro Peluso, à beira de aposentar-se, e que, supostamente, seria para condenar. E era mesmo. O vimos com o seu jeito de julgar, convincente e maduro, ocasião em que condenou Marcos Valério, sócios e um dos diretores do Banco do Brasil, Pizzalatto, bem como o deputado federal João Paulo, inclusive com a perda do mandato parlamentar.

O ministro Peluso não mais julgará, atingiu 70 anos (aposentadoria compulsória). É preceito constitucional (deve ser mudado para 75 anos no serviço público). Mas deu um norte para a dosimetria das penas e uma pista de como julgarão os mais vividos, tidos por “garantísticos”, apegados à ortodoxia dos tipos penais. O que se viu não foi isso. Por exemplo, para a corrupção passiva não é necessário (e não é mesmo) nenhum ato de ofício. E indícios são importantes sim, desde que acordes com o “conjunto probatório”. Todos os ministros votaram e concluíram que tanto no caso da Visanet, como da Câmara dos Deputados e dos empréstimos do Rural, tivemos dinheiro espúrio a escorrer pelas canaletas do valerioduto (para os mais diversos bolsos).

O caminho já está descortinado. Os ministros mais experientes bem como os mais novos estão fundamentando à exaustão os seus votos. Não são deuses, mas homens justificando seus atos de julgamento perante a Nação, doa a quem doer, um belo espetáculo de democracia e seriedade. É certo que no caso do deputado petista, os ministros Lewandowski e Toffoli votaram pela absolvição, o que emplacaria a tese de que recebimento de dinheiro supostamente do PT não constituiria crime, mormente para fim lícito (uma suposta e testemunhada pesquisa eleitoral em Osasco). Bem, cada cabeça uma sentença. No final o placar foi de 9 a 2, em sentido contrário e com repercussão para todos os recebentes do dinheiro espúrio, desimportante o seu emprego.

Os mais novos surpreenderam positivamente, caso dos ministros Fux e Rosa Weber. Como disse no artigo anterior, o Supremo Tribunal Federal é o colegiado mais qualificado do país. Os advogados criminalistas, acostumados aos tribunais do júri, sempre emocionais e impressionáveis, não deveriam ter investido fé na lógica das retóricas nem na tese de que a defesa não tem o dever de provar a inocência do acusado, bastando alegar que o fato criminoso não está suficientemente provado (in dubio pro reu). Salvo casos de total inanição da prova singular no conjunto probatório, isso não funciona com a dimensão pretendida. É preciso fazer mais e melhor. Dois corifeus da advocacia, Thomas Bastos e meu amigo José Carlos Dias, estão amargando 10 votos a zero, placar da condenação de seus clientes. Os tempos estão mudando, a cada dia que se passa, a bem do país.

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