Não aos colégios eleitorais, excrescentes num país hoje com 322 milhões de habitantes, e sim ao voto direto, secreto e universal
A democracia moderna tem quatro eixos: A “gloriosa revolução inglesa” fixando no Parlamento a sede exclusiva do poder (o rei reina mas não governa). A guerra da independência americana, culminando no primado da Constituição e no presidencialismo. A revolução francesa, logo depois, com a República e as ideias de igualdade de todos perante a lei, e, por fim, o federalismo nos EUA, após a guerra de secessão, cioso da “autonomia” dos estados, unidos pela independência e desunidos pela secessão, pelo medo de se separarem novamente. Tiveram êxito: eram treze colônias, hoje cinquenta Estados.
Logo cuidaram de fazer a Constituição. A 2ª Emenda deu a todos direito às armas (o Estado não dava conta de protegê-los). A 15ª Emenda deu voto aos negros em 1870. A 19ª, às mulheres, em 1920. A 24ª acabou com a prova de suficiência financeira do eleitor em 1964. Na maioria das democracias vige o princípio de “uma cabeça, um voto”. Ganha quem tiver mais votos. Nos EUA, ganha quem atingir 270 delegados eleitos nos Estados. Entra em cena o voto distrital puro da pátria-mãe. Na Inglaterra quem ganha no Distrito, por um voto, leva todos os votos. Nos EUA, o voto popular arrasta o distrital. Se um candidato ganha no voto popular na Flórida, leva seus 29 delegados.
Agora o porquê do sistema eleitoral americano. Quando os “founding fathers”, ou fundadores da pátria, após a libertação, se reuniram na Filadélfia para fazer a Constituição, fizeram-na sintética para evitar atritos. Em meu livro sobre o controle de constitucionalidade das leis, menciono três grupos de colônias: do norte, do centro e do sul, com interesses, às vezes, divergentes. Eram apenas quatro milhões de pessoas ao longo da Costa leste, sem integração conveniente entre elas. Eram refratárias a políticos e partidos. Migraram da Inglaterra justamente para criar uma nova pátria. Diziam que um homem honrado não devia procurar um cargo, e sim ser procurado por ele.
Para escolher o presidente sugeriu-se o Congresso. A tese foi rejeitada. Não teria vez na América o “todo poderoso Parlamento inglês” (que, se quiser, acaba com a monarquia). Como segunda opção, mais federativa, que o elegessem as Assembleias das ex-colônias. A ideia foi rejeitada, criaria cizânia entre os Estados, comprometendo o presidente em favor dos Estados que o elegessem. A terceira proposta era a da eleição popular direta (uma cabeça, um voto). Os pais da pátria rejeitaram a tese. O povo não seria suficientemente instruído para eleger o presidente. E havia a questão dos Estados maiores prevalecerem sobre os menores.
A Comissão dos Onze, como ficou conhecida a comissão constitucional, propôs então à Convenção de Filadélfia o contrapeso dos colégios eleitorais em cada estado, segundo complicado sistema (população, número de deputados estaduais, federais, senadores etc.) que elegeriam o presidente, mantido o voto direto dos cidadãos, sugerindo o voto dos delegados (tradição). Supunha-se que os delegados seriam os melhores de cada lugar. Este sistema vigora até hoje ( winner- takes -all). Cinco vezes, desde o Independence day, o voto dos delegados suplantou o voto popular. Hillary teve mais votos populares mas perdeu no colégio eleitoral. O número de delegados por Estado não é simetricamente igual ao número de eleitores. Proporcionalmente falando, os pequenos estados têm mais delegados que os grandes. A Califórnia, mais populosa, tem 55. O menor estado, com 600 mil habitantes, tem três (Wyoming).
Os constituintes não cuidaram de partidos, mas eles surgiram. Lá não há Justiça Eleitoral que organiza os pleitos são os estados. Junto com as eleições são realizados vários plebiscitos estaduais (liberação da maconha e do aborto, jogos de azar, separação da União, casamento homoafetivo etc.). No início, havia o federalista e o antifederalista. Os federalistas, de Alexander Hamilton, de Nova York, queriam um poder central forte, com o apoio da indústria, do comércio, dos exportadores e áreas urbanas. Thomas Jefferson, aristocrático produtor rural da Virgínia, achava que a América deveria ser agrária. Tinha ao seu lado fazendeiros, pequenos comerciantes e parte da classe média. Queria um poder central fraco e estados fortes. Foi o embrião do atual Partido Democrata (1825).
O Republicano (1845) surgiu do Partido Whig, unido aos movimentos Free Soil (homens livres em trabalho livre, não escravo, em solo livre) e Know Nothing, que se opunha aos migrantes católicos da Irlanda (significa “não sei de nada”), pois atacavam os irlandeses católicos violentamente mas negavam! Nossa opinião é singela. Não aos colégios eleitorais, excrescentes num país hoje com 322 milhões de habitantes, e sim ao voto direto, secreto e universal. A unção aos pais da pátria, com todo respeito, é de uma pieguice sem tamanho.
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