Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.
A impressão do voto é como o vírus “cavalo de troia”.
Por que Bolsonaro trocaria uma tarde de quarta-feira atribulada em Brasília por um compromisso religioso? Porque o segmento que votou em peso nele na campanha de 2018, e pode ser decisivo em 2022, começa a se dispersar. A pesquisa XP/Ipespe, realizada entre 7 e 10 de junho, apontou que 42% dos entrevistados que se declararam evangélicos consideravam o governo ótimo ou bom. Esse percentual caiu para 34%. Em junho de 2020, 31% desse público achava o governo ruim ou péssimo. Hoje, esse percentual subiu para 38%.
Segundo levantamento do Datafolha divulgado em maio, o ex-presidente Lula tem 35% das intenções de voto dos evangélicos, enquanto Bolsonaro desponta com 34%. O mesmo empate técnico entre evangélicos foi verificado pelo Vox Populi, no mesmo período: Lula com 34%; Bolsonaro, 36%.
No segundo turno, Bolsonaro arrebanhou 68% dos votos desse eleitorado, na derradeira eleição.
O livro do antropólogo Juliano Spyer, “Povo de Deus”, merece ser lido. A presidente do PT disse que o partido mantém uma articulação com a militância evangélica, pois influenciou a derrota petista em 2018. “Nós subestimamos isso, muitos de nós achávamos que não fazia sentido, que não teria impacto na eleição.”
Lula tem interlocução direta com os evangélicos, não pela denominação religiosa, mas pela base popular, por ser uma camada que se identifica com os programas sociais criados pelos governos petistas. “Eles [evangélicos] estão sentindo o que está acontecendo com eles no governo Bolsonaro”, sobre o aumento do desemprego e da pobreza. “Não adianta só o discurso de fé, é preciso o resultado na vida cotidiana.” A presidente do PT reforça que Lula “sempre professou sua fé, sempre falou em Deus, sempre teve referência religiosa”, mas o foco agora é um projeto para uma ampla inclusão social. “O discurso do Lula é para os católicos, evangélicos e todas as religiões”, diz Andrea Jubé, repórter de política em Brasília, cuja análise estou aqui a reproduzir.
Pressentindo a derrota, Bolsonaro já começou a desenvolver um golpe de Estado. César Felício fez uma análise da artimanha golpista: “O que a Câmara está discutindo não é a volta do voto em cédula. Se fosse isso, seria um retrocesso, mas ainda assim muito melhor do que o que está posto em debate. O voto em cédula é um mecanismo de consulta popular vulnerável a fraudes. A emenda constitucional em discussão prevê uma impressora acoplada à urna eletrônica que permitiria ao eleitor conferir o seu voto. O mecanismo permitiria que uma seção eleitoral fosse auditada. Se a sistematização dos votos na urna eleitoral for diferente dos votos impressos no recipiente físico, estaria visualizado o buraco na armadura”.
Auditar o voto com a impressão significa o seguinte: o modelo mais seguro, que é o que está blindado contra qualquer interferência humana e em relação ao qual nunca houve evidência de fraude, passaria a ser controlado pelo modelo menos seguro, segundo ainda César Felício.
No site Jota, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) sintetizou o perigo: “Onde esses recibos da votação vão ser armazenados? Vão todos para um galpão? Quem vai manuseá-los? De que forma? Basta sumir uma impressão, uma única que seja, acabou a eleição. Processo eleitoral é jogo de poder, e o jogo do poder é bruto”, sintetizou. O histórico das eleições no Brasil dispensa comentários sobre a probabilidade de alguma força política manipular os recibos para melar todo o processo.
Para o advogado Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie, talvez esta seja a ideia: arrumar um mecanismo para impugnar as eleições. “Fabrica-se uma atmosfera de incerteza e insegurança para deslegitimar a eleição”, comentou. Seria a reedição aperfeiçoada da canhestra tentativa de Donald Trump de levar no grito a eleição de 2016, nos Estados Unidos. A impressão do voto como quer Bolsonaro é como o vírus “cavalo de troia”. Para fraudar o sistema eletrônico é necessária uma operação de terrorismo cibernético. Para fraudar a votação impressa, os descaminhos já são bem conhecidos e consagrados.
O TSE estará sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso até março do próximo ano. Por alguns meses, a corte será presidida por Fachin. E em setembro, assume o ministro Alexandre de Moraes.
Os três têm traços em comum: não se intimidam em entrar em confrontos com outros poderes, se entenderem necessário. Rais aponta que há um caminho para se aplicar o princípio da cláusula pétrea em relação ao sistema de voto brasileiro a repelir emendas. O artigo 60 da Constituição, em seu parágrafo 4º, inciso II, estabelece o seguinte: não pode ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir “o voto direto, secreto, universal e periódico.” A menção ao voto secreto viola um princípio imutável na Constituição. (A partir da criação de um registro por escrito do que se fez na cabine indevassável.)
O Supremo Tribunal Federal declarará inconstitucional uma emenda com esse teor.
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