É com os Brics, notadamente China e Rússia, sem hostilizar os EUA e Europa, que podemos fazer geopolítica neste século.
Observadores da geopolítica estão analisando a política internacional por espaços estanques. É um erro fatal, desinforma o leitor leigo. Tenho apresentado neste espaço, com frequência, a geopolítica da Eurásia e a tentativa de cercá-la por parte dos EUA e da União Europeia (UE). Não estou exagerando. Pois bem, além do jogo concreto das potências, vou expor os fundamentos que envolvem o embate geopolítico.
Em 1904, Halford Mackinder escreveu para a Sociedade Geográfica Real, em Londres, a tese The Geographical Pivot of History e definiu o conceito de “terra central” (heartland), o lugar em que, no futuro, se decidiria o controle geopolítico do planeta. Para ele o “coração” do mundo seria a Eurásia, da Rússia para o Oriente, e a África (ali a China finca, cada vez mais, os seus interesses políticos e econômicos), tendo a seu favor o ressentimento anti-europeu (Europa ocidental colonialista) e aos EUA, que nunca se interessaram pela região, além de serem anti-islâmicos e racistas.
O americano Alfred Thayer Mahan desenvolvera, na ocasião, outra tese, The Influence of Sea Power Upon History. Dizia que a nação que controlasse as rotas marítimas teria o poder planetário, o que explica as 110 bases aeronavais e os porta-aviões americanos espalhados pelo globo, mas em obsoletismo, por duas razões: a) o poder no século 21 é econômico e geográfico (Eurásia e África), as “ilhas-mundo”, como previra o certeiro inglês; b) o poder da tecnologia bélica: mísseis supersônicos e armas minúsculas de destruição em massa, tornam caras e subutilizadas bases militares fixas ou flutuantes, daí a importância da Eurásia (o poderio conjunto das nações do Hemisfério Norte, grandes populações, que dominam o espaço que se estende do mar báltico ao mar do Japão). São Rússia, Cazaquistão, Irã e China.
Outro engodo nas análises geopolíticas é apresentar a cena política do Oriente Próximo, ocorrendo num palco religioso-sectário, movido pela luta entre sunitas e xiitas. Nem as lutas entre católicos e protestantes na Europa, nem os atuais conflitos no Oriente Próximo ocorrem por convicções religiosas (isso não existiu, existe ou existirá em nosso mundo). O que importa, em primeiro lugar, é o poder político; em segundo lugar, o domínio econômico. As seitas “disfarçam” a realidade e “mobilizam” pessoas. Na região, duas potências disputam o controle do mundo islâmico: a Arábia Saudita e Emirados do Golfo, sunitas, ligados ao Ocidente; e o Irã, xiita, aliado da Rússia e da China (Eurásia). A Turquia sunita é repelida por ambos os lados por significar o dominador recente da área por 500 anos (o Império Otomano). Sem entender isso, qualquer análise geopolítica global perde sentido.
Resta explicar o recesso americano na Ásia Menor: o desgaste (humano, emocional, econômico e político) dos mais de 10 anos de guerras contra producentes no Iraque e no Afeganistão e o quase fim da dependência americana do petróleo árabe com a exploração do xisto e compra de petróleo de vizinhos, como México e Canadá (e, futuramente, Brasil e Venezuela, sem opção). Os EUA deslocaram sua presença para o extremo oriente, por ser a China a potência mundial emergente. Atuarão em casos extremos na Ásia menor, como agora, no Iraque e Síria, por temer o terror do califado em casa.
Agora, notem que todos os grupos terroristas são sunitas: talibãs e irmandade, frente Al Nusrri, Hamas, Boko Haram, Al Qaeda, salafitas, Estado Islâmico (EI) et caterva. Os xiitas possuem milícias militarizadas (guardas revolucionários e Hesbollah). O xiismo é conservador e hierarquizado, mas não adota o terror, embora admire o martírio pela fé, como os primeiros cristãos. A Arábia Saudita fomentou as guerras civis na Síria e no Iraque. Não se fazem guerras sem dinheiro e logística. Mas o EI, à frente de Al Nusrri, salafitas e Al Qaeda se infiltrou com a ajuda financeira secreta da Irmandade Muçulmana. Já controlado o Egito, as monarquias pretendiam retomar o Iraque e a Síria e se frustaram. Bagdá e Damasco têm apoio do Irã e da Rússia.
O Brasil é bem-visto por todos, mas é com os Brics, notadamente China e Rússia, sem hostilizar os EUA e UE, que podemos fazer geopolítica na primeira metade do século 21. Erra quem não enxerga a Eurásia e pensa que os Brics são estranhos entre si. Um novo Banco Mundial, outro FMI, o adensamento tecnológico e comercial são inutilidades? Em 10 anos, esses países terão 43% do PIB mundial e 55% do mercado consumidor global em suas jurisdições, poderio atômico, alianças econômicas fortes na América Latina, Europa, África, Ásia e poder de veto na ONU. Precisamos de estudos políticos e econômicos para um mundo em mutação. A política externa é de Estados, e não de governos. É melhor o Brasil centralizar o Unasul economicamente, preservando a democracia para ter densidade, e representá-la perante os Brics. A geoeconomia é cada vez mais relevante no mundo multipolar.
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