A postura do Brasil é retrógrada, porquanto distorce a observância do princípio da não cumulatividade ao proibir a dedutibilidade de itens imateriais como licenças e royalties.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vedou a tomada de créditos de PIS e Cofins sobre gastos com royalties em contratos com transferência de tecnologia. A 1ª Turma da 4ª Câmara e a 3ª Seção negaram que as despesas sejam insumos do processo produtivo da empresa. A companhia produz pistões destinados, predominantemente, à indústria automotiva. A filial brasileira pagou os valores à sede na Alemanha em troca do conhecimento que viabilizou a produção das peças. De acordo com a empresa, a geração de receita tributável no Brasil depende, essencialmente, do know-how cedido pela matriz alemã. O contrato previa o cálculo dos royalties em função do volume de vendas.
Os conselheiros representantes da Receita Federal entenderam que a despesas com royalties não têm natureza jurídica de aquisição de bem nem de serviço, nos termos da legislação das contribuições. Como se trata de algo incorpóreo e intangível, que não entra no produto final, impossível enquadrar o gasto como insumo. Embora os royalties sejam necessários, os julgadores consideraram que nem toda despesa gera crédito.
O assunto em tela tem duas diferenciações. A primeira com os preços de transferências entre empresas ligadas, coligadas ou mesmo filiais (transfer pricing). Nenhum país quer a empresa nele situada pagando valores exagerados às empresas sediadas no exterior e deduzindo esse valor como custo de produção. Para isso, os tratados internacionais há muito estabeleceram a técnica do arm’s length, para evitar sub e superpreços. Normalmente, os royalties são pagos a residentes no exterior.
A segunda dimensão do assunto diz respeito ao conceito de insumo, que vem do inglês input (o que está dentro do produto). O valor do input é gasto necessário à feitura do output ou produto acabado. É claro que, para fazer um carro, o fabricante paga salários, direitos de terceiros, royalties por tecnologia de processo, matérias-primas, tributos etc. (custos de produção). A diferença entre o custo de produção e o valor do produto acabado é, em princípio, a margem de lucro (bruta). Certo, durante a produção foram ressarcidos impostos repassados por fornecedores, e no preço de venda estão embutidos os impostos a pagar pelo ato de vender (mesmo sem receber), despesas de publicidade etc.
O justo é permitir a dedução de todo tipo de insumo (inputs). Nesse rol entram até mesmo impostos, como o IPI, o ISS, o ICMS, o PIS/Cofins, o de importação, as despesas com royalties e assemelhados (é crédito financeiro, utilizado no mundo civilizado ao contrário da legislação brasileira que adota o crédito físico, restrito aos custos de bens corpóreos e “serviços estrito senso”).
A postura do Brasil é retrógrada, porquanto distorce a observância do princípio da não cumulatividade ao proibir a dedutibilidade de itens imateriais como licenças e royalties. Quanto à renda ganha (lucro líquido), havendo incidência do imposto de renda sobre remessas ao exterior em pagamentos de royalties e licenças, por óbvio, terá que ser deduzido sob pena de flagrante injustiça. Royalties são despesas pagas a terceiro, renda dele aliás.
No que se refere ao ambiente de negócios (custo Brasil), a decisão do Carf — com o grande respeito que nos merece esse tribunal administrativo, altamente especializado — gostaríamos de ver suas decisões imbuídas de valores que defendam o país de super ou subfaturamentos, mas ajudem as empresas a produzir com justiça na tributação, desapegando-se de interpretações estritamente literais ou meramente gramaticais, como ocorreu in casu (bens e serviços estrito senso). Afinal, o PIS e a Cofins incidem sobre a receita bruta antecipadamente.
Toda exegese deve subir do plano gramatical para abarcar a doutrina, além dos elementos pragmáticos, sistemáticos e finalísticos, pois já está provado que tanto menor a carga tributária sobre a produção e a circulação de mercadorias, maior é a arrecadação, o que parece um paradoxo, mas não é! Os EUA entenderam isso muito cedo e, por isso, puderam se desenvolver. Ao revés de uma complicada — estamos a dizer da tributação não cumulativa —, geradora de discussões, disceptações e passivos fiscais desgastantes, tributam entre 8% e 10% as mercadorias na última etapa da circulação (sale tax) no momento em que é vendida a varejistas (em alguns lugares, sob certas circunstâncias) e, majoritariamente, no momento em que são vendidas ao consumidor final.
A sonegação é residual. A tributação é muito mais simples. Agora vá se ver o volume das transações. É fabuloso. A arrecadação, a seu turno, é simples e ampla. Ao extrair o cupom de venda, uma via eletrônica automaticamente é enviada ao fisco. Time is money. A praticidade é irrecusável. No Brasil, resistimos ao sistema de tributação das vendas finais e temos cinco impostos agravando a produção, a circulação e a venda de mercadorias. É complicado para o fisco, o contribuinte e o país.
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