A melhor política é destruir os grupos terroristas e reerguer o vigor comercial dos povos do Oriente Médio, aceitando com naturalidade num mesmo local, igrejas, mesquitas e sinagogas
Existem mais crentes no mundo islâmico que no universo judaico-cristão: os afegãos; os paquistaneses, que em 90% têm sangue indiano; os povos turks, entre eles a Turquia e as antigas repúblicas da URSS, de crença suave pelo contraponto russo (Baluquistão, Cazaquistão, Quirguistão etc.); a Indonésia, com 240 milhões de habitantes; Singapura; o Egito e países da Magrebe (Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia); os Emirados da península árabe; a Arábia Saudita, o Líbano, a Síria, o Irã e inúmeros países africanos de raça negra.
Por outro lado, tanto os cristãos quanto os muçulmanos adotam, ao lado do Novo Testamento e do Corão, a Torá ou Velho Testamento, essencialmente judaico, como livro sagrado, base comum das três religiões monoteístas, ditas abraâmicas.
A origem comum do monoteísmo das chamadas religiões reveladas as aproximam apesar das perseguições cristãs aos judeus, coisa do passado, das famosas expedições das cruzadas para dominar a Palestina, e as atuais ingerências do Ocidente no Oriente Próximo, por causa do petróleo e da geopolítica.
A importância do petróleo — ora em via de superação relativa — e o fator geoestratégico da região pode ser realçado pela destruição militar recente de países muçulmanos, casos do Afeganistão, de parte do Paquistão (6 milhões de deslocados no Vale do Swat) do Iraque, sob a mentirosa alegação de armas químicas de destruição em massa, hoje fartamente documentada para desgraça do presidente Bush e do premier Tony Blair, da Inglaterra, da Líbia, do Líbano, hoje recuperado, e da Síria atualmente.
Acresça-se a esse vasto mosaico a presença maciça de muçulmanos, alguns já na quarta geração, na Itália, na Alemanha, na Suíça e, principalmente, na França e na Inglaterra, que, juntamente com os EUA, estão permanentemente na mira do terrorismo, com suas temíveis organizações (Al Nusra, Al Shabab, Talibã, Al Queda e, agora, o Isis ou Califado Islâmico, com domínio territorial firme em terras iraquianas e sírias).
Parece-me muito claro que três coisas se fazem necessárias. Primeiro, a destruição inclemente dos grupos terroristas e de suas fontes de financiamento, já que se trata de respeitáveis exércitos, com carros rápidos e mísseis terra-ar. Segundo, uma espécie de Plano Marshall, que torne novamente prósperos os países de Magrebe, o Egito, a Síria, a Palestina e o Líbano, lugares onde o ressentimento e as guerras geraram tremenda destruição de riqueza. Terceiro, demonstrações de respeito ao credo islâmico, pela parecença com os valores judaicos e cristãos. Do Himalaia e da Índia e da região uralo-altaica em direção ao Extremo Oriente, prevalecem maciçamente as religiões não reveladas, intuitivas e meditativas (budismo, xintoísmo e outras de diferente tradição espiritual).
O acirramento anti-islâmico é contraproducente. O medo perpassa a Europa, mais na França, na Inglaterra e nos EUA, sem falar em Israel. A melhor política é destruir os grupos terroristas e reeguer o vigor comercial dos povos do Oriente Médio, aceitando com naturalidade num mesmo local, igrejas, mesquitas e sinagogas. É preciso despolitizar as religiões abraâmicas e sua natural diversidade, como quer a democracia, pois a liberdade de crença é um dos seus pilares mais sólidos.
O atual momento é de extrema preocupação. O Ocidente sabe — e não faz nada — para interromper as doações milionárias dos magnatas dos Emirados do Golfo Pérsico ao Isis. Como é possível tanto poderio militar no meio do deserto entre Síria e Iraque? A justificativa para tirar Assad do poder, por tirania, é idiota. Os EUA apoiam os sauditas, que proíbem as mulheres até de dirigir, e o Egito ditatorial ao preço de suborno dos militares e aportes financeiros. De repente, não mais que de repente, como ocorreu no Iraque, resolveu-se que a Síria deveria ser palco de guerra cruenta. Somente para tirar Assad? Com que direito? A verdade geopolítica está em ser aliada da Rússia e do Irã. Foi o maior equívoco do trio EUA, França e Reino Unido.
Para complicar mais, a única república laica mulçumana, a Turquia, caminha para o radicalismo e se indispõe com o Ocidente, aproximando-se da Rússia. Essa sabe muito bem o que fazer. Incluir a Turquia (a Síria já estava integrada) para resguardar os 2/3 do espaço euroasiático que domina é-lhe fundamental (no outro extremo da Eurásia, está a China). Quem dominar essa região (recursos, espaços territoriais para abrigar grandes populações e minerais de toda sorte) tem as chaves do futuro. A geopolítica é soberana na determinação da política internacional. Se o Ocidente se negar a resgatar os milenares povos do Oriente Próximo que nos legaram, além das religiões monoteístas e a cultura grega, o número zero e a noção do infinito, estará cometendo um monumental erro estratégico. A paz no século 21 passa pela convivência pacífica com os mulçumanos e o respeito às potências da Eurásia: Rússia, Irã e China, todos capazes na área nuclear.
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