O moralismo político

A tendência do governo Bolsonaro, por ora, é cadente. Se passarem as reformas, a começar pela previdenciária, e se o empresariado investir – o que é duvidoso –, terá uma sobrevida normal; caso contrário, terminará por si próprio. 

Nunca vi marchas tão inúteis, como se o Congresso estivesse contra. Todas as ditaduras de direita, inclusive o macarthismo (movimento) nos EUA, que ocorreram no mundo ocidental, sempre tiveram ingredientes comuns: patriotismo, religiosidade, moralismo, nacionalismo, repulsa à democracia, autoritarismo (salazarismo, franquismo, nazismo, fascismo, as ditaduras militares nas américas central e do Sul, “et caterva”).

O perigo atual no Brasil é o dúbio bolsonarismo, a exaltar da boca para fora, a democracia, os três poderes e a rotatividade no poder, através de eleições periódicas, mas a ansiar o poder unipessoal do chefe, a subordinar os demais poderes, com esforço no populismo nebuloso.O moralismo político

O professor Fernando Limongi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, é categórico: “Não vai ter ditadura. O que se rompeu em 2018 não foi a democracia representativa, foi a polarização entre o PT e o PSDB. O sistema anterior entrou em colapso, com o PSDB mais atingido do que o PT. A ruptura no modelo institucional brasileiro não está no horizonte”, afirma. Limongi concorda que há uma maré em uma única direção no mundo, mas diz que a análise desta conjuntura exige cautela. “A gente não sabe se as forças que movem a direita nos Estados Unidos são as mesmas que agem na Europa e aqui. No Hemisfério Norte a participação popular cai com força. No Brasil ela não cai. O que tem de comum em todos os casos é a crise dos partidos”.

Deficiências na liderança de Bolsonaro também tolhem qualquer veleidade de autoritarismo. Na Turquia, Polônia e Hungria, os líderes conseguiram fechar o sistema, mas no Brasil falta coordenação. Se Bolsonaro soubesse jogar, até se poderia pensar em uma cópia destes modelos. Mas o grau de incompetência dificilmente tem comparação.

Limongi é ácido ao comentar sobre a preocupação dos bolsonaristas com a hegemonia cultural das esquerdas no meio acadêmico. As premissas deles são exageradas. “A esquerda pode ser hegemônica em ambientes como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e daí? Nas outras áreas não é assim. Não chega nem a ser a aldeia de Asterix”, diz, indagando: “O controle que o PCB exerceu na intelectualidade brasileira nos anos 40 e 50, de que serviu? ”

O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação em 2015, na gestão de Dilma Rousseff, não acredita que uma tendência antidemocrática seja um fenômeno de longa duração. No caso brasileiro, ao analisar Bolsonaro, recorre a Maquiavel. Há uma diferença entre conquistar o poder e mantê-lo. “Bolsonaro soube empalmá-lo, mas não consigo vê-lo retendo o que conquistou. É um governo que cria problemas demais para eles mesmos.”

Na visão do cientista político Fernando Abrucio, da FGV de São Paulo, “no Brasil é muito difícil instalar-se a mesma dinâmica que acontece na Turquia ou na Hungria, porque aqui é uma federação, com o Poder Judiciário forte. Há contrapesos. O Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público podem perder poder, mas não a um nível que permita uma investida como essa. O Brasil de certo modo é mais plural”. O principal ativo do presidente é o antipetismo. Bolsonaro está longe de ter maioria no Congresso, ao contrário do que aconteceu com diversos presidentes eleitos recentemente no mundo. O PSL não existe. “Trata-se de um ajuntamento de lideranças em competição. Há o PSL udenista de São Paulo e o corporativo do Rio. Qual prevalece? Acho que nenhum. Desperta por ora medo e esperança, dois sentimentos que se alimentam de expectativas, não de fatos consumados. Nesse período o presidente oscilou entre a busca de apoio institucional e o investimento em uma relação direta com as massas, por meio dos agitadores digitais que o seguem. Um revés, seja na esfera institucional – o tiro pode vir do Congresso ou do Judiciário –, seja nas ruas, deverá mostrar o caráter de seu governo e sua capacidade de atingir seus objetivos declarados ou encobertos. ” (Valor Econômico)

Outro obstáculo às pretensões cesaristas de Bolsonaro, que são evidentes, que seja pela bala ou pelo voto, são hoje inescrutáveis. Para reeleger-se terá que fazer um governo espetacular. Fá-lo-á? Parece miragem. Quanto ao apoio das Forças Armadas, é nenhum; um golpe militar é impensável. O Judiciário é vigilante e o Legislativo, ladino.

A tendência do governo Bolsonaro, por ora, é cadente. Se passarem as reformas, a começar pela previdenciária, e se o empresariado investir – o que é duvidoso –, terá uma sobrevida normal; caso contrário, terminará por si próprio. Nessa expectativa estão todos os demais partidos. O PSL não tem a mínima expressão popular. Continua um partido nanico, com um presidente que se nega a fazer política prevendo o futuro. César continua sentado no trono, hierático e um olhar cujo significado é nenhum, talvez de espanto.

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