As únicas forças que os EUA não controlam são o crescimento econômico e comercial da China e o poderio nuclear da Rússia, que não aceita ser derrotada
Sacha Calmon
As sanções impostas unilateralmente pelos EUA à Rússia contra a Carta das Nações Unidas (ONU) são tão violentas e odiosas quanto a decisão russa de invadir a Ucrânia por muitas razões (entre elas, a dos laboratórios de armas biológicas), motivo de preocupação do eixo Rússia-China, que também vê-se incomodado pela crescente presença militar dos EEUU no mar do Sul da China.
Ernani Torres, da UFRJ, faz considerações pertinentes sobre o presente assunto: “Historicamente, o dólar tornou-se a moeda central do sistema monetário graças a uma trajetória operada pelo governo americano. Não foi um processo de seleção competitiva. Bretton Woods, que consagrou em tratado a supremacia do dólar em 1944, foi, antes de tudo, uma capitulação dos ingleses e da libra. O Reino Unido teve de pagar esse preço pelo auxílio americano na guerra contra a Alemanha. Sem competidores, a centralidade do dólar no pós-guerra foi uma consequência da relevância dos EUA no vácuo gerado pelo conflito mundial. No entanto, essa centralidade da moeda americana ficou até 1970 restringida pela segmentação dos mercados financeiros nacionais, graças às regulações e a permanência de controles cambiais”.
Desde então, essas limitações praticamente desapareceram e deram lugar à globalização financeira. “Hoje, grandes empresas, mercados de commodities e de câmbio e os mecanismos de liquidez e de pagamentos internacionais são muito dependentes do dólar e da política do banco central americano. Trata-se de um sistema poderoso, abrangente e de difícil contestação, no qual todos os Estados, para seu próprio bem-estar, dependem da benevolência das autoridades americanas.”
Essas considerações facilitam a resposta a duas perguntas. A capacidade de a China acomodar o choque das sanções americanas sobre a Rússia é muito limitada. O sistema financeiro chinês está sujeito a controle de capitais. Seus bancos, apesar de grandes em ativos, são novatos nas finanças internacionais. A possibilidade de conseguirem usuários estrangeiros para o yuan é limitada. Pouco podem fazer pela Rússia, apesar do grande porte da sua economia, de suas elevadas reservas em dólares e títulos da dívida americana, que é gigantesca.
O sistema globalizado evoluiu com base em opções determinadas pelos americanos. O congelamento das reservas russas não é uma novidade, já que foi também utilizado recentemente contra o Afeganistão, a Venezuela e o Irã. Dólares de outros países são ativos desses governos, que estão registrados no sistema monetário dos EUA e, portanto, sob sua jurisdição. Se as reservas russas ainda estavam em dólares na véspera da invasão da Ucrânia, essa opção se deveu não ao desconhecimento pela Rússia do risco do congelamento, mas à sua crença no sistema bancário internacional.
Moedas não são mercadorias quaisquer, mas ativos específicos – ouro, papel, depósitos – a que os Estados atribuem a capacidade de liquidarem obrigações financeiras essenciais, tais como impostos e dívidas. A isso se soma a obrigação imposta pelos governos de os agentes econômicos terem que honrar suas dívidas, sob pena de empresas poderem ser condenadas à morte (falência) e as famílias enfrentarem dificuldades para atender às suas necessidades básicas. Essa é a dureza do capitalismo e sua desgraça final.
As únicas forças que os EUA não controlam são o crescimento econômico e comercial da China e o poderio nuclear da Rússia, que não aceita (nunca aceitou) ser derrotada. Forças poderosas no interior dos EEUU estão exigindo uma saída para a crise, aceitando a perda do Leste ucraniano (que a Rússia considera ameaça à sua segurança).
Nesse sentido, o Brasil é favorável ao cessar-fogo imediato, à proteção de civis e de infraestrutura civil, ao acesso desimpedido aos serviços humanitários e à pronta solução política do atual conflito baseado nos acordos de Minsk, assinados tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, em 2015, e aprovados pelo Conselho de Segurança da ONU. O presidente falou de solidariedade à Rússia, no sentido que tem essa palavra de firme, sendo o Brasil um parceiro confiável da Rússia, dentro dos princípios que nós respeitamos”, disse França, o chanceler brasileiro.
Na época, a declaração de Bolsonaro gerou críticas por passar a impressão de que o governo brasileiro havia escolhido um lado na guerra entre Rússia e Ucrânia, dias antes do início da invasão. O próprio presidente negou tal entendimento, optando pela neutralidade.
O ministro chegou a criticar declarações que teriam partido do governo americano, em Washington, contrárias ao tom da manifestação de Bolsonaro. “Não julgamos adequado que um país, qualquer país, possa fazer uma interpretação das declarações do nosso chefe de Estado”, afirmou França.
O nosso agronegócio sairá ferido, a uma pelo aumento dos combustíveis, a duas pelo “choque” das sanções americanas. Uma coisa é certa, nossa comida passará a custar mais.
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