Não me anima demonizar Lula, José Dirceu, Genoíno, Delúbio, o chamado “núcleo político”.
Não posso deixar de consignar que o julgamento do caso tido por “mensalão”, termo inventado por quem o delatou e indicou em pormenores como as coisas ocorriam (o então deputado Roberto Jefferson) é um marco na história do combate à corrupção política no país, dentro dos esquadros democráticos. Pela primeira vez homens fortes, influentes, bem próximos do presidente da República, foram sentenciados por um colegiado de juízes da mais alta Corte do país, sete deles indicados pelo próprio presidente, vitalmente interessado num julgamento que, ao cabo, absolvesse os denunciados ou pelo menos os condenasse em tipos criminais prescritos e desmentisse duas premissas: a) não teria havido desvio de dinheiro e público, e houve; b) não teria havido compra de votos, e houve. Viraram pó as teses de que o dinheiro vinha de gordo caixa dois e de que tudo era para pagar despesas de campanha pretéritas e futuras do PT e partidos aliados. Não houve golpe das elites incomodadas com a ascensão do PT, apenas corrupção. E houve punição após um julgamento justo.
Trata-se do julgamento mais importante e simbólico da Nova República, ou como dizem os franceses, da terceira República (tivemos a primeira desde a queda da monarquia até a revolução de 1930; a segunda entre a Constituição de 1946, após a queda de Vargas, e o movimento militar de 1964; e a terceira a partir da derrocada do regime castrense e que perdurará para sempre, supomos). Ainda na terceira República tivemos o impedimento de Fernando Collor de Mello por crime de responsabilidade, mas o protagonista, no caso, foi o Congresso Nacional, com um excesso imperdoável: a cassação dos direitos políticos de um presidente que já não o era. Posteriormente, o presidente foi judicialmente absolvido por falta absoluta de provas. As denúncias eram palavrosas e sem nexos. Agora não, tivemos começo, meio e fim, numa história coerente com indícios eloquentes e ilações inevitáveis. Fez-se justiça conforme o direito e a Constituição. O curioso é Collor fazendo empréstimo no Uruguai para esconder seu gordo caixa 2, justo a defesa de Lula para a corrupção do PT.
Quero realçar que Marcos Valério, com a sua espantosa coragem para operar o mensalão, foi cristianizado. Sofreu as condenações mais pesadas, foi fisicamente seviciado, foi moralmente linchado, sua família humilhada e desprezada. Não disse nem 10% do que sabe. Tem-se, outrossim, a impressão, como diria Nelson Rodrigues, de que faltou alguém no tribunal, ou melhor, entre os réus julgados em Brasília (a assistirem ao julgamento em liberdade, por querer expresso do Supremo, bem interpretando os princípios jurídicos). Seja lá como for a maior derrotada foi a da crença na impunidade, a surpreender todos, mas a bem da nação.
Não me anima demonizar Lula, José Dirceu, Genoíno, Delúbio, o chamado “núcleo político”. Não creio que a ideia de conquistar votos e bancadas a soldo e a cargos foi maquiavélica, ao contrário foi banal e por isso feriu a República no seu imo mais profundo. Claro que não fez jus à pregação de “ética na política” do PT. A questão é que chegando ao poder central houve necessidade de mudar o programa partidário (claramente socialista), garantir a governabilidade e a confiança internacional, mantendo as diretrizes de FHC e conquistar maioria parlamentar. FHC e Dilma isso jamais fariam. Por ordem de Lula foi determinada a José Dirceu, segundo Sebastião Nery, a compra de aliados. O PMDB exigiu muito, ia sair muito caro, sem contar que o PT exigia três ministérios, já prometidos por Lula ao PMDB. Dai a compra dos partidos menores, sem ética nenhuma. Por açodamento o núcleo político valeu-se de operadores já comprovadamente testados. Mas o escândalo é bem maior do que foi possível apurar. Nem todos que forniram o ilícito cofre, nem todos que receberam foram julgados (nem no STF nem nas varas criminais). De todo modo, fez-se o que foi possível, e foi muito, tendo em vista as dificuldades de obter provas de organizações criminosas.
Desde que o PT está dizendo que a decisão do Supremo foi golpe, a sedição foi armada, é preciso prendê-los o mais depressa possível. Estão ameaçando as instituições. Três coisas, entretanto, merecem reflexão. Primeiro, até quando esse quadro partidário continuará a gerar mensalões e deltafurtações? Segundo, algum alívio merece Roberto Jefferson. Atitudes como a dele devem merecer redução substancial de penas, ajudam a combater os criminosos do colarinho branco. Terceiro, não confundam os crimes, os criminosos e os advogados criminalistas, sem os quais o direito a ampla defesa e o devido processo legal não seriam possíveis. Eles carregam o nobilíssimo mister de defender o estado de liberdade das pessoas, doa a quem doer. Ninguém pode ser julgado sem ter ao seu lado um defensor. É o que proclama a nossa Constituição. Às vezes levam para o túmulo segredos empresariais, familiares e de Estado. A vida deles não é fácil. Eles convivem com a miséria humana e a falibilidade das instituições.
Faça seu comentário