É certo que adotamos o sistema de controle sucessivo e não “preventivo” de constitucionalidade das leis.
Houve um tempo nessa República em que o Legislativo, sem tugir nem mugir, como gado, aprovava todos os decretos e as “medidas provisórias”, de imediata execução, que lhe eram enviadas pelo Executivo.
Agora o Poder Legislativo alardeia que é o senhor das leis. Para começar não é. Há leis de iniciativa exclusiva do poder Executivo, como as do orçamento e tributárias.
Mas bastou o MP federal propor uma lei, subscrita por mais de dois milhões de cidadãos, visando combater a corrupção, para o Legislativo arguir o seu poder de emendar, suprimir e acrescer a lei de forma absolutamente contrária aos escopos do anteprojeto inicial, singelo e objetivo, contemplando 10 medidas essenciais à moralização dos costumes políticos da república.
Haja hipocrisia, o enfrentamento do povo, exausto de uma república corrupta, mormente no período populista e demagógico do PT de 2002 a 2015 (13 anos de azar) é irritante. Rodrigo Maia mandou uns deputados subscreverem o anteprojeto à falta de provas de serem reais as assinaturas da plebe rude.
O Ministro Luiz Fux, atento a tal despautério, determinou que o Congresso aprovasse ou reprovasse o anteprojeto de lei de iniciativa popular, sem acréscimos ou supressões – inaugurando um debate constitucional inédito até a presente data – não regulado por lei complementar da Constituição (omissão legislativa).
Aí começam as notas típicas de nossa ambiguidade tupiniquim. Fux pontificou: “Não é interferência. Na verdade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, quando há vício no processo legislativo de elaboração das leis, deve haver revisão constitucional”. De fato, há vários acórdãos nesse sentido. Não é necessário esperar que a lei esteja já pronta, se há vício no seu processamento.
Cavalheiros leu uma nota no plenário da Câmara, onde presidia uma sessão conjunta do Congresso, para rebater o argumento do ministro Fux determinando que a tramitação do pacote anticorrupção voltasse à estaca zero na Câmara dos Deputados. Renan reproduziu trecho de um acordão do STF relatado pelo ministro Teori Zavascki, versando sobre a interferência da Justiça no Legislativo: “A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos universaliza um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição”.
Sim, é certo que adotamos o sistema de controle sucessivo e não “preventivo” de constitucionalidade das leis. Mas esse não é o âmago da “quaestio juris” em debate. A questão é outra e bem diversa. Adotamos, como a maioria dos países ocidentais, a tripartição dos Poderes (o Legislativo faz as leis, o Executivo as aplica de ofício, e o Judiciário também as aplica quando há controvérsia sobre o significado jurídico das normas entres as partes). Contudo, não se trata de julgar constitucional a lei pronta e acabada, mas de questão ligada ao poder de iniciativa popular da lei – fora do Congresso Nacional – a quem cabe apenas verificar o apuro técnico e sua constitucionalidade (Comissão de Constituição e Justiça). Se, com efeito a lei é constitucional e bem redigida, e não nasceu no parlamento, mas do povo, não lhe cabe imiscuir-se na sua materialidade, conforme entendeu o Ministro Fux, porquanto seria dar ao Congresso o poder de descaracterizar as leis de “iniciativa popular” (Legislador extraparlamenta.).
É que existem dois tipos de democracia: a direta e a indireta. A indireta se faz por representantes eleitos para fazer as leis, e a direta, pela voz e voto direto do cidadão. Há cerca de 40 anos, um cantão suíço (Estado-membro do país) decidiu que as mulheres poderiam votar. O povo reunido botou na urna o seu querer. As mulheres daquele cantão puderam, desde então, votar. O Parlamento não deu um piu sequer.
Voltando ao Brasil, o que fizeram os nossos parlamentares? Transformaram o vinho em vinagre. O povo subscreveu 10 medidas. O Congresso se iniscuiu no projeto para se proteger e o transformou por completo.
Nós temos institutos de democracia direta: o referendo popular (confirmação de norma jurídica prévia) o plebiscito (aprovação de norma ou instituição política, como o parlamentarismo) e a lei de iniciativa popular, feita pelo povo. Logo, o Parlamento não pode entrar na apreciação do seu mérito, apenas na forma e constitucionalidade. É claro, pois, ao contrário, não se distinguiria lei do parlamento e lei de iniciativa popular, não sujeitada a emendas aditivas, supressivas ou modificativas. Trata-se de “vox Populi”.
Seja qual for a decisão do STF no pleno, o Ministro Fux põe-se ao lado do sofrido povo do Brasil. Ele quer que as medidas anticorrupção sejam aquelas sugeridas pelo Ministério Público e subscritas por dois milhões e meio de eleitores — cidadãos enojados com o estado da República.
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